terça-feira, 1 de novembro de 2011

SELTON MELLO, SOBRE SEU FILME 'O PALHAÇO': 'NÃO QUIS AGREDIR A INTELIGÊNCIA DO ESPECTADOR'


Foi uma noite histórica no Festival de Cinema de Paulínia - em julho - quando foi exibido o segundo filme dirigido por Selton Mello, O Palhaço, que entrou no circuito nacional na última sexta (28).

O longa bateu o recorde de maior público que o evento já teve – tanto que foi necessário fazer uma segunda projeção após a exibição oficial, devido à grande demanda - 1.800 pessoas assistiram à primeira sessão, enquanto cerca de outras mil acompanharam a segunda.

“Não podia ter sido uma recepção melhor do que essa”, disse o ator e diretor em entrevista.
“Mas precisamos tomar isso com cautela, afinal, o filme foi rodado no Polo cinematográfico de Paulínia e conta com um carinho especial da população”.

AGNews
O ator e diretor Selton Mello, durante entrevista no festival de Paulínia, em julho

No longa, o próprio Selton é o personagem-título, um palhaço de circo mambembe que está meio deprimido e não acha graça em nada na vida – sua única obsessão é comprar um ventilador.

A lenda Paulo José interpreta o dono do circo, pai do protagonista, e também trabalha como palhaço - os dois têm uma relação um tanto delicada.

Selton estreou na direção de longas com Feliz Natal, premiado no 1o Paulínia Festival de Cinema, em 2008.

Agora mais maduro, o diretor explica que teve uma ‘sensação de liberdade reconfortante’. “Busquei inspiração em Jacques Tati, nas pinturas de Chagal, em Macunaíma. Foi em tanta coisa, mas se amarras, sem obrigações”.

Para ele, o que importava mesmo era fazer um filme que não agredisse a inteligência do espectador.
“Eu queria fazer um filme que se comunicasse com todos os tipos de público – desde aqueles que gostam de cinema mais popular até aos que preferem filmes de arte. Pensei muito nisso porque o cinema brasileiro tem feitos filmes lindos, mas poucos vistos. Por isso eu queria fazer um filme profundo, mas simples. O cinema é arte de dizer muito com pouco”.

Para Selton, o personagem do pai não podia ser feito por outro ator que não Paulo José.
“Para mim, ao lado de José Dummont, ele é o maior ator brasileiro de todos os tempos. Foi um interlocutor de alto nível, que me inspirou muito”.

Já para viver o protagonista, Selton  chegou a convidar dois outros atores que não puderam fazer o filme, então ele mesmo acabou assumindo o papel.
“Durante as filmagens, minha preocupação era a direção. Para fazer o Benjamim [seu personagem], eu só colocava a roupa e entrava em cena.”

Selton, que também assina o roteiro - coescrito com Marcelo Vindicatto - conta que foi buscar nas memórias de sua infância personagens e atores.
“Muito do protagonista vem do Didi Mocó [famoso personagem de Renato Aragão], e muito veio de outras lembranças”.

Tanto, que no elenco estão ícones dos da televisão brasileira, como o humorista Jorge Loredo, o eterno é Zé Bonitinho, o garoto-propaganda Ferrugem, e o cantor e apresentador Moacyr Franco , cuja participação hilária em O palhaço foi aplaudida de pé durante a projeção em Paulínia e acabou levando o prêmio de ator coadjuvante do Festival.

A outra homenagem, essa não tão explicita, é à cidade mineira de Passos, terra natal de Selton
Seu personagem sonha em ir para lá, encontrar uma moça que conheceu depois de uma apresentação do circo de seu pai.
“Não sei se homenageei ou denegri a cidade”, brinca o ator se referindo ao destino de seu personagem quando chega lá.

Mas apesar de todas essas referencias e homenagens, ele conta que o filme não tem nada de autobiográfico.
“Se fosse minha biografia, eu mesmo sairia na metade”.

“Costumam me perguntar se eu passei por uma crise. Na verdade, eu trabalho desde os oito anos de idade – tenho 38, são 30 anos fazendo isso – e eu digo que essa crise eu tenho há 30 anos. Há 30 anos eu acho que eu deveria desistir e há 30 anos eu descubro algo lindo, que me põe pra frente. Eu estou sempre desistindo, não tem a ver com momento em que veio esse filme”, disse Seltondurante a coletiva de imprensa do filme, já durante a Mostra de Cinema de SP, no último dia 24.10.

Uma parte do encanto de O Palhaço está na química entre Selton e Paulo José: os dois são vizinhos no Alto da Gávea, no Rio, e se conhecem desde 1991, quando Selton participou de uma montagem de Romeu e Julieta no Tablado, ao lado da filha de Paulo, Ana Kutner, mas nunca tinham trabalhado juntos.

“Tenho muita admiração pelo Selton. Acho o mais talentoso da geração dele. Opera em todas as pontas. Escreve, tem argumento, tem roteiro, tem produção, direção, atua e ainda monta o filme”, elogiou Paulo.

UOL
A lenda Paulo José, na coletiva de imprensa em SP

“O Selton finge ser bonzinho, mas tem por dentro um bicho. Ele não é obsessivo, mas é teimoso, determinado. Diretor não tem que ser bonzinho. Diretor bonzinho é uma porcaria. Tem o dever, a obrigação, de ser duro. O Selton é intransigente. Tem que ser”, contou o ator, ao ser questionado sobre como é ser dirigido por Selton.

Selton voltou ao ar ontem com a série A Mulher Invisível, da Globo, em que também assina a direção de alguns episódios, mas ainda não tem novos projetos para o cinema.
“Como diretor, tem que ser algo que eu queira muito dizer, porque vai demorar três anos – ou mais – entre a ideia e a realização. Foi assim no ‘Feliz Natal’ e foi assim nesse. Então, eu estou esperando esse insight”, diz.

Confira o trailer de "O Palhaço":

UOL - Como surgiu a ideia para “O Palhaço”?
Selton Mello - Vontade de falar da nossa vocação, do que a gente escolhe para fazer na vida. E o tempo todo a gente está colocando em xeque essa escolha. Vontade de falar disso, de destino, da nossa estrada. Veio daí o desejo de construir esse filme.

Era um desejo de mostrar esse questionamento a partir do ponto de vista do artista?
Do artista, como princípio, porque é mais genuíno – quando eu falo de um artista, eu falo de uma maneira mais genuína, porque eu sou um – mas o dilema é universal. Poderia ser um filme passado numa redação de um jornal, que conta a história de um jornalista jovem, filho de um grande editor chefe, e ele está achando que não está fazendo aquilo bem. Seria o mesmo filme, em outro ambiente. A figura do palhaço me pareceu a mais lírica. Achei que era a possibilidade do filme ficar mais rico cinematograficamente.

 O filme tem muitas referências pessoais – tem seu irmão, Danton, que faz uma participação, tem a sua cidade, Passos. É uma história pessoal?
É um dilema muito pessoal. Não é um filme autobiográfico, mas é um dilema que me toca. E é exatamente por isso que toca as pessoas também. Porque quando você faz algo com verdade, essa verdade chega às pessoas. Eu sei do que eu estou falando ali. Acho que é por isso que chega tão claramente assim nas pessoas.

Você ofereceu o papel do Bejamim ao Wagner Moura e ao Rodrigo Santoro antes de decidir assumi-lo. Por que não quis fazê-lo logo de saída?
Por um momento eu achei que eu deveria passar essa bola para a frente, que eu deveria cuidar só da direção. Mas quando eles recusaram, não puderam fazer, eu falei “Então eu vou fazer. Eu escrevi esse roteiro junto com o Marcelo Vindicatto, eu sei o que eu quero desse personagem, eu sei como eu quero que ele se comporte. Vai ser até mais fácil eu fazer”. E foi realmente. Eu sabia qual era o tom desse personagem. Então, eu botava a roupa e fazia. Eu estava ligado mesmo na direção. Fazer o Benjamim era fácil. Claro que a parte do palhaço, do Pangaré, exigiu ensaio para descobrir aquelas gags físicas. Aquilo foi uma pesquisa com o palhaço Cochicho [do circo Beto Carreiro], que foi quem nos treinou, quem nos ensinou. Mas o Benjamim, que é a maior parte do filme, eu sabia exatamente como eu queria que ele se comportasse. Foi simples.

Você e o Paulo José se conhecem há muito tempo. Já tinham trabalhado juntos antes? Como foi trabalhar com ele?
 Não. É a primeira vez que trabalhamos juntos. Foi lindo. Ele é um dos maiores atores brasileiros, um cara adorável de se lidar. Trabalhar com o Paulo foi ótimo. Ele foi muito generoso com os outros atores, sem ser professoral.

Pesou para você o fato de dirigir um ator tão experiente?
No começo sim. Eu me senti um pouco intimidado de dirigir o Paulo. Depois, essa barreira vai se quebrando e tudo vai ficando bacana.

Como ator, você já fez filmes mais populares, como “A Mulher Invisível” (2009) e também mais difíceis, como “O Cheiro do Ralo” (2007). O que te interessa fazer como diretor?
Eu vou dizer o que eu queria fazer com “O Palhaço”. Eu tinha um interesse muito grande em fazer uma coisa que eu não vejo as pessoas fazendo – um caminho do meio. Eu acho que ele é um filme popular, de claro entendimento, que todo mundo ri, se emociona, mas cheio de camadas sensíveis de entendimento. E é refinado cinematograficamente e na carpintaria do roteiro também. É um filme que não é explicativo, você não fica explicando o tempo todo o que está acontecendo. Nada é explicativo, mas tudo é entendido. Então, é um filme claro, mas refinado também. Meu sonho era um caminho do meio, um filme que fosse visto por muita gente, mas sem perder esse refinamento estético.

É esse o tipo de filme que você pretende continuar fazendo?
Eu acho que sim. Vamos ver como ele se comporta. Já está indo muito bem. O público adora, as reações são lindíssimas, tenho recebido um retorno muito bonito. Mas vamos ver que próximo assunto é esse de que eu vou falar e como ele vai se configurar.

Quais diretores inspiram e influenciam seu trabalho?
Eu adoro Kubrick, mas acho que não tem nada de Kubrick nesse filme. Adoro Chaplin, Scorsese. E diretores com quem eu trabalhei e que foram muito importantes na minha formação são o Guel Arraes e o Luiz Fernando Carvalho. São dois diretores que me dirigiram, com quem eu aprendi muito. Eles fazem parte de uma forma muito importante da minha formação como diretor.

Você sentiu alguma diferença entre dirigir “Feliz Natal” e “O Palhaço”?
Eu me senti mais livre, mais seguro, mais tranquilo para fazer. Porque o primeiro tem essa coisa “preciso fazer um filme”. O segundo já vem mais tranquilo.

 Você divide a direção da série “A Mulher Invisível”. É muito diferente o trabalho de direção no cinema e na TV?
É. A grande diferença é o tempo. É mais rápido na TV. Exige um exercício mental maior para resolver as coisas de uma maneira mais rápida.


Você pode conferir a matéria do Blog de Klau sobre o filme, com crítica, fotos e ficha técnica, clicando aqui.

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