sábado, 28 de janeiro de 2012

"PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN": UM SOCO NO ESTÔMAGO, UM TEMA MAIS QUE ESPINHOSO E O MAGNETISMO DE TILDA SWINTON


"Precisamos Falar sobre o Kevin", terceiro filme da escocesa Lynne Ramsay - e primeiro a estrear em circuito comercial no Brasil - aborda sem firulas um problema dos grandes que assombra tanto os pais como escolas dos Estados Unidos, e recentemente não só lá: os massacres de estudantes dentro das escolas, lugar que, a priori, deveria ser a segunda casa deles, e onde eles deveriam ter proteção e segurança equivalentes aos seus lares.

Baseado no romance homônimo da norte-americana Lionel Shriver, temos aqui um filme que foca a maternidade, onde Eva - interpretada por Tilda Swinton - precisaria retomar sua vidinha cor de rosa que lhe escorreu pelo ralo com o nascimento do primeiro filho, Kevin - Rock Duer, quando pequeno - o relacionamento dela com o marido, Franklin - John C. Reilly - ia bem, até a chegada do menino que roubou sua vida e, em troca, lhe causou uma angústia crescente.

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Tilda Swinton e Rock Duer - o Kevin menino - em cena do filme

Tanto o romance - cartas de Eva para o marido após a tragédia - e o filme procuram demonstrar que nem toda maternidade é feliz, pois Eva nunca quis ser mãe e isso se torna um peso na vida ela.

Kevin era mau desde nascer ou a criação de Eva e o excesso de permissividade de Franklin o transformaram num menino perverso?

A diretora Lynne e seu corroteirista Rory Kinnear acertadamente não apontam a resposta, mas mostram, sim, um estudo de caso, mostrando o que aconteceu com o garoto - outras pessoas, nas mesmas circunstâncias, agiriam de forma diferente.

A relação sempre tensa entre Eva e Kevin - que quando adolescente é interpretado por Ezra Miller, da série de TV "Californication" - é o foco da trama, que navega entre o presente - quando ele está preso - e o passado - a vida em família antes da tragédia.

Tal qual o romance, o filme apresenta o desenrolar dos fatos aos poucos, entendemos logo o que aconteceu, mas só mais tarde compreendemos como aconteceu, suas dimensões e implicações - estratégia arriscada para uma narrativa, mas que é bem articulada por Lynne, diretora que sempre cria imagens marcantes e que nem sempre estão mostrando coisas belas.

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Ezra Miller, da série de TV "Californication", interpreta Kevin adolescente

Sua filmografia mostra a sua opção pelo estranhamento e pelas rupturas.

Já no seu primeiro longa - "Ratcatcher" (1999) - somos instados a vivenciar a cidade escocesa de Glasgow do começo da década de 1970, onde durante um verão seco, com lixeiros em greve - sacos de lixo e ratos proliferam pelas ruas - um garoto mata acidentalmente o amigo afogado num córrego imundo.

Em "Morven Callar", a personagem-título chega em casa na noite de Natal e encontra o namorado que se matou e deixou um romance para ser publicado.
Ela finge que o livro é seu, manda para um editor e sai pela Europa em busca de raves.

Em comum, os três filmes de Lynne têm - entre outros - mortes como ponto de partida, e embora em "Kevin" seja a chegada, a história é delineada do presente olhando para trás, a partir da carnificina que o filho de Eva, Kevin, pratica no colégio .

Aqui, as imagens, muito ajudadas pela trilha sonora, transitam entre o lúdico e o grotesco - a primeira cena é o melhor exemplo disso.

Logo na abertura, Eva está coberta de um material vermelho e viscoso.
Seria o sangue de inocentes? -
Não!
É simplesmente uma das divertidas edições da Tomatina, aquela festa na Espanha onde as pessoas se divertem jogando tomates umas nas outras - Eva está lá porquê é autora de guias de viagem.

A trilha sonora caprichada dá o tom ao trânsito entre os dois extremos: músicas antigas, como as de Budd Holly ("Everyday") e Beach Boys ("In My Room"), fazem parte da seleção, mas nenhuma é tão forte quanto "Mother's Last Word to Her Son", cantada por Washington Philips, um filho se lembra de sua mãe e do amor mútuo - certamente não seriam Kevin e Eva, não fosse pelo arrebatador final do filme.

A questão principal que o filme levanta é se uma pessoa pode ser responsabilizada pelos atos de outra, e, mesmo não sendo uma mãe-modelo, se Eva pode ser culpada pelas atitudes do filho.

Alguns personagens pensam que sim, e muitas vezes, ela mesma se martiriza, embora tente levar uma vida normal - o que é impossível após a matança.

Tilda Swinton é uma grande atriz inglesa - tem na sua filmografia trabalhos como "Um Sonho de Amor", "Flores Partidas" e "Zona de Conflito" - e é uma presença magnética na tela - o longa arrebatou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema de Londres de 2011.

O seu visual andrógino - mais explorado em outros filmes, especialmente "Orlando" - é hipnótico, mas o que nos arrebata são suas dúvidas e martírios internos, onde Reilly é o contraponto perfeito - como o pai tão apaixonado quanto cego pelo filho.

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A Atriz Tilda Swinton interpreta Eva, a mãe de Kevin, em desempenho sen-sa-cio-nal!

Este não é um filme fácil de se ver, e a ausência de Tilda Swinton na lista dos indicados ao Oscar 2012 é, ao mesmo tempo, uma injustiça e um indício: injustiça pela falta de indicação de Swinton - maravilhosa no papel - e o indício é o de que o filme fala de uma questão com a qual os norte-americanos ainda não sabem lidar.

Filmaço.

Confira o trailer do filme:

*****
"PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN"
Título Original:
We Need to Talk about Kevin
Diretora:
Lynne Ramsay
Elenco:
Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly, Siobhan Fallon, Ursula Parker, Jasper Newell, Rock Duer, Ashley Gerasimovich, Erin Maya Darke, Lauren Fox
Produção:
Jennifer Fox, Luc Roeg, Robert Salerno
Roteiro:
Lynne Ramsay, Rory Kinnear
Fotografia: Seamus McGarvey
Trilha Sonora:
Jonny Greenwood
Duração:
110 min.
Ano: 2011
País:
Reino Unido/ EUA
Gênero:
Drama
Cor:
Colorido
Distribuidora: Paris Filmes
Estúdio:
BBC Films/ Atlantic Swiss Productions/ Lipsync Productions/ Artina Films/ Footprint Investment Fund
Classificação:
Livre

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