Quantas travestis você tem como colegas de trabalho - seja chefe ou funcionária?
E fazendo faxina na sua casa?
Na loja onde você compra roupas, talvez?
Abastecendo o seu carro ou te atendendo no “por quilo”, onde você almoça diariamente?
A verdade é que o mercado de trabalho é duríssimo com esse grupo de pessoas que, muito frequentemente, encontra na prostituição o sustento e, principalmente, acolhimento.
O psicólogo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-Sorocaba) Marcos Garcia realizou uma pesquisa sobre a prostituição das travestis.
Segundo ele, a maioria delas tem origem humilde e procura fazer programas como meio de vida.
“Um jovem gay, efeminado, sem apoio financeiro e familiar, vindo de camadas populares e sem possibilidade de estudos vê no comércio sexual uma das poucas saídas.“
Além do problema da documentação - pois AS travestis assumem uma personalidade feminina, mas dependem de sua identidade oficial- o psicólogo Oswaldo Rodrigues Jr., do Instituto Paulista de Sexualidade, diz que as travestis são associadas quase que automaticamente à prostituição, violência e ilegalidade.
“São encaradas de modo negativo, o que as impede de serem contratadas. A percepção é sempre preconcebida. O mecanismo cognitivo exige utilizar vivências passadas para compreender o presente e decidir o futuro. Assim, tudo o que foi ouvido desde criança a respeito de travestis influenciará na tomada de decisões agora.”
Folhapress
Travestis à espera de clientes, nas ruas de SP
Tão importante quanto a renda, o mercado sexual traz o bem-estar que travestis não encontram em outros grupos, normalmente.
“É onde elas são valorizadas, principalmente, por clientes. Elas se sentem desejadas por seu corpo feminino. A demonstração do desejo é um fator importante. Se a pessoa está em um processo de buscar se sentir mais feminina, o interesse do cliente, que mostra que ela é feminina, é acalentador”, afirma Marcos Garcia.
Para Giovanna Di Pietro, 28, travesti brasileira que faz programas na Europa, não há muita escolha a não ser a prostituição.
“É a saída que uma travesti encontra para se transformar. Quando eu comecei a mudar meu corpo, os trabalhos convencionais ficaram praticamente impossíveis”, conta ela, que era assistente de produção de figurino em uma agência de publicidade.
“Nessa fase, você passa a ser menos aceita socialmente. Consequentemente, a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho é quase nula.”
Em sua pesquisa, o psicólogo Marco apurou que o mercado sexual também tem como principal atrativo a alta remuneração.
“Na prostituição, a exemplo de outras profissões como modelo e jogador de futebol, há um período que traz muito dinheiro. Mas isso muda com o avanço da idade. Os clientes vão rareando. Com isso, a travesti tem uma perda financeira e passa a ser menos desejada, o que é muito sofrido.”
Arquivo Pessoal
Giovanna Di Pietro, 28, travesti brasileira que faz programas na Europa
Jovem e bonita, Giovanna concorda que os ganhos são um grande convite para entrar na prostituição.
“Quando você está se prostituindo, começa a ganhar dinheiro como nunca ganhou. E esse dinheiro lhe permite investir em você, mudar o corpo, comprar bens materiais etc.”
Marco afirma que nenhum grupo social no Brasil sofre mais discriminação do que as travestis. “Esse preconceito é tão intenso que há quem use o termo ‘transfobia’. Os assassinatos de travestis costumam ser muito cruéis. É um nível de violência altíssimo. Há o preconceito pela orientação sexual, mas, principalmente, pela identidade de gênero.“
Para o psicólogo Rafael Kalaf Cossi, autor de “Corpo em Obra” (Ed. nVersos), sobre transexuais, o preconceito contra homossexuais, em especial as travestis e transexuais, tem uma explicação.
“Nós não temos a certeza absoluta da nossa identidade sexual. Isso é uma ilusão. O terreno é muito embaralhado. Quando vemos uma travesti, isso traz à tona algo que a gente não quer saber.“
Excluindo a existência de homossexuais ou qualquer variação pelos pais, as crianças aprendem que só há homens e mulheres, que devem desejar, respectivamente, mulheres e homens.
“Passamos de 15 a 20 anos reforçando essas ideias para confirmar o que somos. Mas há variações inúmeras que não são socialmente compreendidas ou assumidas como reais. Desta maneira, não podemos admitir que exista uma pessoa que destoe do que aprendemos”, explica Oswaldo.
Na opinião do especialista, para compreender as pessoas que são diferentes necessitaria de um grande esforço emocional e comportamental, mas a maior parte das pessoas prefere usar essa energia para investir em outros assuntos, principalmente os de maior retorno financeiro.
“Mesmo as famílias que vivem com uma pessoa transexual, e precisariam adaptar-se, mostrarão grande dificuldade em compreender, elaborar e mudar suas perspectivas cotidianas e adaptar-se a esta identidade não prevista pela família", diz o psicólogo.
Outras pessoas têm menos necessidades de se adaptar, "pois há um afastamento afetivo que permita gastar menos energia para modificar suas formas de compreender a realidade.”
Para Oswaldo, que concorda que a sociedade em geral não recebe bem as travestis, as coisas seriam diferentes se não houvesse tamanha discriminação.
"A prostituição será abandonada se elas forem reconhecidas pela identidade que compreendem pertencer, mesmo que isso traga dificuldades sociais financeiras."
Já o psicólogo Rafael Kalaf Cossi diz que toda manifestação de sexualidade que foge do esperado sofre discriminação, inclusive no mercado de trabalho.
Mas ele acredita que o grupo das travestis transforma o corpo para a prostituição – opinião avessa a dos demais especialistas procurados para esta postagem.
“A transexual, quando incorpora o gênero, costuma ser mais discreta. A travesti usa roupas mais escandalosas. Elas se montam para a cena erótica. É para o mercado do sexo. A transexual, quando se prostitui, não teve alternativa.”
Gretta Silveira, travesti que é maquiadora, artista dos melhores palcos LGBT de São Paulo e diretora da Associação da Parada LGBT de São Paulo, diferentemente de Rafael, não acha que esse ou aquele grupo é empurrado para a prostituição.
"Dentro da nossa minoria, a maioria cai na prostituição. Quando são indagadas sobre o que as levou ao mercado sexual, elas dizem que foram expurgadas da sociedade. Mas eu acho que há um pouco de receio de assumir que são prostitutas porque gostam", diz.
Arquivos do Klau
Gretta Silveira, maquiadora, diretora da Parada LGBT e Star dos palcos paulistanos
Para Gretta, a prostituição é como qualquer profissão e deve ser encarada como tal.
"Não acho que ninguém seja empurrado."
Ainda assim, Gretta afirma que há preconceito, e, disputar um espaço no mercado de trabalho formal, exige persistência.
"É um caminho mais difícil. Eu tive problemas quando me tornei uma boa maquiadora e comecei a ser chamada para trabalhos maiores. Quando me deparava com gays, sofria preconceito. Coisas que não acontecia ao trabalhar com heterossexuais."
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Matéria Base: Vladimir Maluf - Folha de SP
Redação Final: Cláudio Nóvoa
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Matéria Base: Vladimir Maluf - Folha de SP
Redação Final: Cláudio Nóvoa
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