sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

ENTREVISTA: GARY OLDMAN FALA SOBRE GEORGE SMILEY, SEU PERSONAGEM EM 'O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS'


"O Espião Que Sabia Demais", que estreia hoje no Brasil, é  baseado no livro "Tinker, Taylor, Soldier, Spy", de John le Carré, e é o filme que mais polarizou opiniões da safra do fim de ano na zona norte do planeta.

Há quem adore a homenagem aos filmes mais cerebrais do gênero, especialmente os produzidos nos anos 70, fonte de inspiração para o diretor sueco Tomas Alfredson, do pungente "Deixe Ela Entrar".

Mas a oposição também é forte - parte da crítica torceu o nariz para o filme passado na Guerra Fria, com sacadas psicológicas e diálogos sofisticados, em oposição à explosão de ação do cinema-pipoca da série Bourne ou da revitalizada "Missão Impossível".

Gary Oldman é a encarnação de George Smiley, o agente aposentado do serviço de inteligência britânica secretamente contactado pelo governo para investigar um suposto informante soviético trabalhando na cúpula do MI-6.


Divulgação
O ator Gary Oldman em cena de O Espião Que Sabia Demais
Gary Oldman, em cena de "O Espião que sabia Demais"

Aos 53 anos, o inglês, que arrebentou como o protagonista de "Drácula de Bram Stoker" (1992) - de Francis Ford Coppola - e, mais recentemente, como o Comissário Gordon da trilogia "Batman" - de Chris Nolan - foi eleito por sua magnífica performance em "O Espião..." melhor ator do ano pela Associação de Críticos de San Francisco - já se fala em uma possível indicação para o Oscar.

Personagem emblemático, Smiley pouco fala, resmunga frases aparentemente sem sentido, vive uma relação conturbada com a esposa infiel, usa óculos de lentes grossas e se movimenta de modo tão vagaroso quanto o ritmo implantado por Alfredson no filme.

Ele funciona como a consciência da trama, um homem que ainda acredita na ética como arma importante no jogo perigoso dos serviços de inteligência, no auge da Guerra Fria.

No elenco, além de Oldman - que foi o último ator a aceitar o papel, deppois de uma busca de seis meses pelo Smiley ideal - estão Colin Firth - em sua primeira performance pós o Oscar de elhor ator, ganho por "O Discurso do Rei" - John Hurt, Tom Hardy, Mark Strong e Ciarán Hinds.

Oldman  falou ao UOL sobre detalhes de seu personagem - como seus óculos, que lhe deram certo trabalho para serem encontrados.


Getty Images

Gary Oldman, por ele mesmo

Confira a entrevista:

UOL - Você parece ter nascido para este papel. É possível fazer um paralelo entre o trabalho de espião e o de ator?
Gary Oldman - De certa maneira, sim. Nós também gostamos de analisar o outro, entrar na cabeça do outro, nos travestimos do outro, ainda quem por alguns instantes. Mas, por outro, o verdadeiro ator não pode compactuar com nenhuma mentira, tem de ir, ou ao menos tentar ir, no cerne da verdade. Honestidade, para nós, é fundamental. Se há duas coisas que não tolero na vida são a falsidade e a infidelidade. São peças que não fazem parte de meu make-up, se é que você me entende.

Mas o filme não deixa de ser uma busca do seu personagem pela verdade. É este aspecto o de maior poder de atração para você quando pensa no seu Smiley?
Gosto dele ser uma pessoa que tem a mais completa certeza em suas crenças, ele não se coloca em dúvida, nunca. É uma pessoa leal, a quem todos respeitam. Mas ele também pode ser cruel, pode ser um juiz maldoso, sádico.

Este é um de seus papéis de interpretação mais contida, o que não é o lugar comum de sua carreira...
Não, meus personagens tendem a ser bastante explícitos. Por isso o meu interesse no Simley. Mas todas as pistas para como levá-lo ao cinema estão no roteiro e no livro. Tudo o que você precisa saber sobre George está no livro. Há uma passagem em que se diz que ele é o homem que pode regular sua temperatura para ficar de acordo com o ambiente. Ele é como um réptil. É dali que eu encontrei esta sensação de que ele está sempre plácido.

Alguns críticos dizem que "Smiley é um quase não-reconhecível Gary Oldman". É isso?
Sim. Lembro durante minha juventude, crescendo nos anos 60 e 70, vendo Alec Guiness, que fez o George em duas mini-séries,uma gravada em 1979 e outra em 1982. Mas eu penso nele em "As Oito Vítimas", em que interpreta diversos personagens e em alguns deles você não acredita que é, de fato, ele que está ali. O mesmo ocorre com Peter Sellers, com seus disfarces. Eles me influenciaram muitíssimo. Fisicamente, no caso de George, não tinha muito com o que trabalhar. Meu cabelo ficou mais branco e, claro, há os famosos óculos de Smiley, importantíssimos para mim. Eles são icônicos, no livro eles são o Aston Martin do Smiley, importantíssimos.

E você demorou para encontrar o par perfeito...
Sim. Eu já estava quase me internando, virou uma coisa de louco. Vi uns 300 óculos, e nada. Fui encontrá-los em uma loja especializada em Pasadena, em Los Angeles, uma loja sensacional com mais de 30 mil pares. Quem me falou do local foi o Colin Firth, que encontrou o par perfeito para seu personagem em "Direito de Amar". Esta história é engraçada. Eu estava dirigindo em Sunset Boulevard quando me deparei com este imenso poster de "Direito de Amar". Estou chegando mais perto e penso: ué, mas é o Marcello Mastroianni? Vou chegando mais perto e percebo: mas é o Colin! E penso, são os óculos! Eu quero aqueles óculos (risos)! Então li uma matéria numa revista pouco tempo depois em um aeroporto e lá estava o mesmo par com a deixa, "iguais aos de Colin Firth" e dando o endereço da loja! Anotei e pensei, um dia vou comprar óculos para mim nessa loja. Um ano depois, Smiley cai em minhas mãos, Colin está no filme, e eu penso: vou encontrar meus óculos dos anos 70, especificamente entre 1970 e 1973. E pronto, em Pasadena eu os encontrei!

Voltando a sir Alec Guiness, o Smiley dele era mais querido, não? Ou um pouco menos sádico do que o seu Smiley?
 Esta contradição está lá no livro. Veja bem, o Smiley de Guiness é sensacional e definitivo, mas, sim, ele é mais afetuoso. Smiley não responde a questões, ele muitas vezes não precisa falar. Mas o que ele faz com um dos personagens, o Toby, que se for extraditado para a Hungria, para o outro lado da Cortina de Ferro, será eliminado, as ameaças veladas, é algo bem nefasto. Por outro lado, há um aspecto masoquista, com sua mulher tendo casos com pessoas de dentro do "circo", como le Carré apelida o Mi-6, e de fora também. Em determinado momento, ela sai de casa para viver com um ator. Ah, esses atores (risos). Mas ele nunca vai atrás dos amantes, e sempre a aceita de volta. Ele está lá, bem confortável no papel de vítima. E, olhe, além de Guiness, James Mason, Tony Hopkins, Rupert Davies, todos ofereceram suas versões de Smiley...

Nos últimos anos você passeou feliz por filmes mais ligados ao mundo da fantasia, seja em Harry Potter, Kung Fu Panda e, claro, Batman. É algo pouco comum para atores na sua idade ter esta segunda carreira em Hollywood, não?
Gosto de pensar que somos, atores, pedaços de uma mesma corrente. Tivemos a geração de Guiness, a minha, agora a de Tom Hardy e Michael Fassbender, somos todos o mesmo. Talvez esteja ficando um pouco velho para tanta ação. Adorei o Batman e vi Tom Hardy em ação e pensei: meu filho, antes você do que eu! (risos). Já estive lá, já vi aquilo. Sabe, alguém precisa dar um toque no Mick Jagger: tá na hora de parar!

Não seja tão maldoso...olha o seu Smiley aparecendo aí...
Ah, peralá! Eles estão fazendo mais uma turnê! De novo! Por favor! Há um momento em que você precisa parar. Eu agora brinco que cheguei à fase dos papéis sentados. Ou seja, em que a maioria dos personagens passa a maior parte do tempo sentada. É ótimo, você aprende pacas a demonstrar suas emoções sem o uso do corpo o tempo todo. Você é o protagonista, como o Smiley, mas o é, inclusive, pelo exercício de sua passividade. É um senhor aprendizado.

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