De volta à telinha, pelas mãos do canal Viva, da Globosat, “Vale Tudo” está obtendo bons índices de audiência na TV paga, o que não significa muita coisa, e vem causando um enorme frisson nas redes sociais - em especial o Twitter - e animando conversas na madrugada –a novela é exibida à 0h45 e reapresentada às 12h.
Remei contra a maré até a noite de quinta-feira, dia da exibição do 29º capítulo da trama - o capítulo assinala a entrada em cena de Odete Roitman - a jararacuçú construída pelo notável talento de Beatriz Segall.
Sua primeira fala foi: “Reserve uma suíte presidencial num desses hotéis limpinhos, de preferência que não tenha mendigos na porta tentando agarrar a gente”, recomenda à irmã, Celina, vivida por Nathália Timberg.
Afonso (Cassio Gabus Mendes) e Maria de Fátima (Glória Pires) de "Vale Tudo" (1989)
O capítulo todo gira em torno “da chegada da fera”, como diz uma personagem sobre Odete, que está no exterior. Todos a temem. Seus filhos, conhecidos e funcionários. Apenas um, Marco Aurélio (Reginaldo Farias), o vice-presidente, parece tranquilo. É um canalha simpático, um tipo irresistível em novelas.
Maria de Fátima (Gloria Pires), a vilã inescrupulosa, que passou por cima da própria mãe, Raquel (Regina Duarte), ainda está dando os primeiros passos na maldade, aproximando-se de Afonso (Cassio Gabus Mendes), filho de Odete.
Maria de Fátima diz a Afonso que Odete parece ser uma mulher moderna, ao que o rapaz responde: “Pode ser com os outros, mas comigo e com a minha irmã é Tradição, Família e Propriedade”.
A chegada da mãe perturba Heleninha (Renata Sorrah), a irmã, que tem uma recaída em seu esforço de superar o alcoolismo na última cena do capítulo. Odete está criticando Celina por ter trocado móveis e estofados da casa, quando Heleninha aparece e diz, com um copo de uísque na mão e a língua enrolada:
“Ou você acha que neste mundo não tem lugar para a beleza?”
Odete Roitman (Beatriz Segall), Maria de Fátima (Glória Pires), Marco Aurélio (Reginaldo Faria) e Heleninha Roitman (Renata Sorrah) de "Vale Tudo" (1989)
Odete, Maria de Fátima, Marco Aurélio e Heleninha são, de fato, grandes personagens interpretados por ótimos atores. Mas será que justificam a fama de “Vale Tudo”? A novela também entrou para o imaginário por causa do mistério em torno do assassinato de Odete, embora o crime tenha ocorrido faltando apenas 12 capítulos para terminar a trama.
Além do mistério e do carisma de seus vilões, outro ponto marcante de “Vale Tudo” é a música-tema, “Brasil”, de Cazuza, Nilo Roméro e George Israel, na versão de Gal Costa - e que eu uso como trilha sonora da coluna de política aqui do blog, "País Puteiro" - cujos versos falam: “Brasil / Mostra a tua cara / Quero ver quem paga / Pra gente ficar assim / Brasil / Qual é o teu negócio? / O nome do teu sócio? / Confia em mim”.
O autor Gilberto Braga conta que “Vale Tudo” surgiu de uma discussão familiar, no meio de um jantar. Seu padrinho, irmão de sua mãe, delegado de polícia, foi chamado de “medíocre e babaca” por um parente. “Ah, ele foi delegado em Foz do Iguaçu e Belém e poderia estar rico. Todo mundo que foi delegado nestes lugares tem apartamento na Vieira Souto e ele não tem nada, é pobre” diz o novelista, no livro “Autores – História da Teledramaturgia”:
“Vale Tudo nasceu dessa discussão, da figura do meu padrinho e da distorção –presente em praticamente todo o país– dos que acham que quem não é corrupto é babaca. Foi a única novela em que, antes de ter a história, eu já tinha a temática. Eu queria fazer uma novela sobre o seguinte assunto: “Vale a pena ser honesto num país onde todo mundo é desonesto?” Foi uma novela muito didática.
O depoimento ajuda a entender o que não achei legal, ao rever o capítulo 29 de “Vale Tudo”.
É uma novela destinada a vender uma “mensagem” de cunho moral, escrita didaticamente.
Gilberto Braga acreditava que, na exposição exagerada da maldade de seus personagens, estaria dando uma lição ao público - isso inclui até famosa “banana” que o vilão Marco Aurélio dá no final da novela, ao escapar impune.
Vista hoje, “Vale Tudo” me pareceu engraçada e divertida, mas tola - como para mim o foram a maioria das coisas, fatos e pessoas dos anos 80.
É politicamente incorreta, mas esta qualidade fica em segundo plano diante dos exageros cometidos e ditos .
Como história, vale. Vale Tudo.
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Fontes: UOL e Folha de S.Paulo
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