Quem acompanha a novela "Passione" sabe que Gemma - Aracy Balabanian - quase sempre chora e se lamenta usando uma expressão: "Parenti serpenti!".
A máxima italiana sobre as agruras da convivência familiar é também o título de um dos filmes mais famosos de Mario Monicelli, nascido há 95 anos, em Viareggio, cidade litorânea da Toscana, região onde ambientou boa parte de seus filmes - e onde "Passione" teve muitas cenas gravadas.
Lançado no Brasil como "Parente é Serpente" (2006), o título foi um dos últimos filmes italianos de Monicelli a fazer sucesso no circuito comercial, e contava a história de uma família que, depois da morte do patriarca, se reúne na casa da mãe viúva para uma festa de Natal.
Ao escutar dela que pretende vender a casa para ficar mais tempo com os filhos e os netos, os familiares entram em pânico, começam a jogar o problema uns nas costas dos outros para, finalmente, fazer o que se imaginava impossível.
Monicelli era isso: o humor negro levado ao excesso, ao limite da ironia e do escárnio.
Em contrapartida, podia ser terno, doce e melancólico.
Ou as duas coisas ao mesmo tempo, como na série de comédias iniciada com "Meus Caros Amigos" (1975), seguida por "Quinteto Irreverente" (1982) e selada com "Caros F... Amigos" (1994).
O centro dessa trilogia é um grupo de velhos amigos de escola liderados por um jornalista veterano interpretado por Phillipe Noiret que fugia da rotina do dia a dia para pregar peças nos outros e rir desbragadamente da vida. Ugo Tognazzi é o conde falido; Adolfo Celi, o médico; Gastone Moschin, o arquiteto, e Duílio Del Prete, o remediado.
Entre seus grandes sucessos, estão "O Incrível Exército de Brancaleone" (1966), com Vittorio Gassman, e "Os Eternos Desconhecidos" (1958), que além de Gassman, trazia ainda Claudia Cardinale, Marcello Mastroinanni e Renato Salvatori.
Este último é considerado a semente da "Commedia all'italiana", um subgênero que floresceria nas duas décadas seguintes.
Se algo que ligue os filmes, é o olhar carinhoso de Monicelli em relação aos personagens ridículos e patéticos que ele acreditava que faziam parte de todos nós.
Monicelli começou carreira nos anos 30, ao lado do editor Alberto Mondadori, parceiro no primeiro curta-metragem e em outros projetos.
Até o final de 1940, colaborou em cerca de 40 filmes, às vezes como roteirista, outras como diretor-assistente.
A partir de 1953, lançou-se sozinho na direção, tornando-se um mestre de um gênero de comédia que colocava em cena problemas da sociedade da época, em plena evolução.
A veia humoristica foi aperfeiçoada na parceria com Steno e Totó, no fim dos anos 40 e início dos anos 50.
A carreira solo foi marcada por vários êxitos - entre os quais, um Leão de Ouro em Cannes por "A Grande Guerra" (1959), que também lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e uma segunda indicação ao prêmio da Academia, desta vez por "Os Companheiros" (1963).
Monicelli trabalhou com os maiores atores da Itália, de Totò, Aldo Fabrizi, Vittorio De Sica, a Sophia Loren, Marcello Mastroianni, Vittorio Gassman, Ugo Tognazzi, Anna Magnani, Alberto Sordi, Nino Manfredi, Paolo Villaggio, Monica Vitti, Enrico Montesano, Giancarlo Giannini, Philippe Noiret, Giuliano Gemma, Stefania Sandrelli, Gian Maria Volonté e Leonardo Pieraccioni.
Com uma carreira prolífica e extremamente rica, não é de se espantar que Monicelli saia de cena de maneira surpreendente - suicidou-se nessa segunda (29) ao se jogar de uma janela do hospital onde estava internado, em Roma - pegando a todos de forma trágica e com uma atitude totalmente inusitada.
Se foi o desespero pelo diagnóstico de um câncer de próstata ou o cansaço de uma vida limitada será difícil saber com certeza.
Talvez - e só talvez - fosse essa dúvida o efeito esperado por ele, como em um grande ato final.
Ontem, Leslie Nielsen; hoje, Mario Monicelli.
O mundo perdeu em pouco mais de 24 horas, muito da sua graça.
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