A "Nostro Mundo" foi a primeira boate declaradamente gay de São Paulo, e isso em plenos anos 70, debaixo da ditadura militar.
Localizada a quase 40 anos na Rua da Consolação, quase esquina da Av. Paulista, o espaço começou luxuoso - tinha porteiro de farda vermelha e dourada, e um maitre cubano que durante muito tempo foi o mais assediado de São Paulo, por causa de suas disputadíssimas mesas.
Desde a fundação, era gerenciada pela proprietária Condessa, uma transex maravilhosa, inteligentíssima e muito talentosa, que deu oportunidade a muitos talentos que depois viraram lendas dos palcos paulistanos.
No pequeno palco da Nostro, assisti a uma infinidade de belos shows de transformistas - homens que se vestiam de mulher e cantavam ao vivo, ou dublavam grandes divas.
As personificações eram simplesmente maravilhosas, os espetáculos eram luxuosíssimos, as coreografias, iluminação e figurinos impecáveis, e eram listados em todos os guias turísticos da cidade.
Se você quisesse encontrar um paquera estrangeiro na noite paulistana, a Nostro era o melhor lugar.
A primeira vez que lá fui foi marcante: era o dia do meu 15o. aniversário - incrível, já se passaram 36 anos! - já tinha cara e jeito de adulto e passei fácilmente pelo porteiro de farda vermelha e dourada, imenso.
Só não enganei a Condessa, que me chamou ao seu camarim, disse que eu era um moleque e que, por isso, me "adotaria" para que eu não caísse em roubadas.
Desde então, ficamos muito amigos.
Muitas vezes, eu nem ia à pista da casa, ficava com ela, as demais divas e os bailarinos nos camarins - e minha noite acabava invariavelmente num café da manhã na cobertura dela, a poucos quarteirões dali, na Rua Fernando de Albuquerque.
Na Nostro, acompanhei personificações de divas como Dionne Warwick, Liza Minelli, Judy Garland, Dalida...
As que eu mais me recordo ainda são os espetáculos estrelados pela Condessa, lógico, e uma música de "Victor/Victória (1982) - "Le Jazz Hot" - onde Gretta Sttar estava ma-ra-vi-lho-sa!
Ainda nos tempos da Condessa, a casa adotou um perfil mais popular, mas os espetáculos continuaram lindos.
Era o tempo em que eu ia todo domingo às matinês qu- e tinha uma coisa muito legal e que hoje eu não acho mais em lugar nenhum: uma seleção de músicas lentas, para que a paquera à distância virasse um corpo a corpo bem agarradinho, as conversas fluíssem e os beijos estalassem.
Ê, tempo bom!
A última vez em que ví Condessa no palco: num macacão justo, rosa e bordado de cima a baixo com canutilhos, personificando a atriz e cantora Cynthia Rhodes, numa música da trilha sonora de "Os Embalos de Sábado Continuam/Staying Alive" (1983).
A última vez que lá estive, e senti aquela aura mágica que tanto me encantou, foi num dia de semana, no dia seguinte à morte - prematura - da Condessa.
No palco, uma emocionada Miss Byá deu a triste notícia, e, com a graça de sempre, comandou o show com os artistas e bailarinos da casa - dizendo a famosa frase: "O Show não pode parar".
O Gerente Hugo Lima assumiu a casa, e a decadência começou.
Soube que até shows de sexo explícito e o famigerado "dark-room" a casa agora tinha.
Triste, muito triste.
Ali Cameron/FolhapressPista da Nostro Mundo, primeira boate gay de São Paulo
E não é que, nessa semana, recebo um release, dizendo que a Nostro tem novos proprietários, e que eles tem por objetivo recuperar o glamour e os shows maravilhosos da casa?
Desde a última quinta feira, a Nostro foi reinaugurada com muitas novidades.
Os novos proprietários construíram uma segunda pista, reformaram a principal e gastaram, só em iluminação, R$ 200 mil.
A proposta primeira é retomar a tradição de shows musicais que fizeram da casa uma referência em shows de transformismo.
"Vai ter shows musicais, espetáculos com dançarinos, mas também abriremos o espaço para comédia stand-up e exibição de filmes de curta metragem", conta do DJ Gê Rodrigues, que, com o sócio Igor Calmona, pretende revitalizar a quadra, chamada de "ilha da Paulista".
Rodrigues, que não é gay, começou a carreira em casas do tipo há 25 anos e conheceu a Nostro Mundo no auge.
Além das noites tradicionais de sábado, com shows, e as matinês de domingo, a casa terá eventos mensais nas quintas e sextas, além de "after hours" de sábado para domingo até as 14h.
A intenção é trazer grandes nomes da música eletrônica e atrair novos públicos de todas as orientações sexuais - a mudança vem de uma percepção de que o público gay mudou muito.
"Nos anos 1990, os gays saíam muito bem vestidos. Hoje, você fica esbarrando em gente suada e sem camisa e drogada, que escolhe a música pela droga que tomou. É difícil alguém que saia para ouvir um DJ tocar. Queremos valorizar a música."
Grande parte do sucesso da Nostro Mundo na mídia se deve a uma personagem que satirizava a apresentadora Hebe Camargo.
Localizada a quase 40 anos na Rua da Consolação, quase esquina da Av. Paulista, o espaço começou luxuoso - tinha porteiro de farda vermelha e dourada, e um maitre cubano que durante muito tempo foi o mais assediado de São Paulo, por causa de suas disputadíssimas mesas.
Desde a fundação, era gerenciada pela proprietária Condessa, uma transex maravilhosa, inteligentíssima e muito talentosa, que deu oportunidade a muitos talentos que depois viraram lendas dos palcos paulistanos.
No pequeno palco da Nostro, assisti a uma infinidade de belos shows de transformistas - homens que se vestiam de mulher e cantavam ao vivo, ou dublavam grandes divas.
As personificações eram simplesmente maravilhosas, os espetáculos eram luxuosíssimos, as coreografias, iluminação e figurinos impecáveis, e eram listados em todos os guias turísticos da cidade.
Se você quisesse encontrar um paquera estrangeiro na noite paulistana, a Nostro era o melhor lugar.
A primeira vez que lá fui foi marcante: era o dia do meu 15o. aniversário - incrível, já se passaram 36 anos! - já tinha cara e jeito de adulto e passei fácilmente pelo porteiro de farda vermelha e dourada, imenso.
Só não enganei a Condessa, que me chamou ao seu camarim, disse que eu era um moleque e que, por isso, me "adotaria" para que eu não caísse em roubadas.
Desde então, ficamos muito amigos.
Muitas vezes, eu nem ia à pista da casa, ficava com ela, as demais divas e os bailarinos nos camarins - e minha noite acabava invariavelmente num café da manhã na cobertura dela, a poucos quarteirões dali, na Rua Fernando de Albuquerque.
Na Nostro, acompanhei personificações de divas como Dionne Warwick, Liza Minelli, Judy Garland, Dalida...
As que eu mais me recordo ainda são os espetáculos estrelados pela Condessa, lógico, e uma música de "Victor/Victória (1982) - "Le Jazz Hot" - onde Gretta Sttar estava ma-ra-vi-lho-sa!
Ainda nos tempos da Condessa, a casa adotou um perfil mais popular, mas os espetáculos continuaram lindos.
Era o tempo em que eu ia todo domingo às matinês qu- e tinha uma coisa muito legal e que hoje eu não acho mais em lugar nenhum: uma seleção de músicas lentas, para que a paquera à distância virasse um corpo a corpo bem agarradinho, as conversas fluíssem e os beijos estalassem.
Ê, tempo bom!
A última vez em que ví Condessa no palco: num macacão justo, rosa e bordado de cima a baixo com canutilhos, personificando a atriz e cantora Cynthia Rhodes, numa música da trilha sonora de "Os Embalos de Sábado Continuam/Staying Alive" (1983).
A última vez que lá estive, e senti aquela aura mágica que tanto me encantou, foi num dia de semana, no dia seguinte à morte - prematura - da Condessa.
No palco, uma emocionada Miss Byá deu a triste notícia, e, com a graça de sempre, comandou o show com os artistas e bailarinos da casa - dizendo a famosa frase: "O Show não pode parar".
O Gerente Hugo Lima assumiu a casa, e a decadência começou.
Soube que até shows de sexo explícito e o famigerado "dark-room" a casa agora tinha.
Triste, muito triste.
Ali Cameron/FolhapressPista da Nostro Mundo, primeira boate gay de São Paulo
E não é que, nessa semana, recebo um release, dizendo que a Nostro tem novos proprietários, e que eles tem por objetivo recuperar o glamour e os shows maravilhosos da casa?
Desde a última quinta feira, a Nostro foi reinaugurada com muitas novidades.
Os novos proprietários construíram uma segunda pista, reformaram a principal e gastaram, só em iluminação, R$ 200 mil.
A proposta primeira é retomar a tradição de shows musicais que fizeram da casa uma referência em shows de transformismo.
"Vai ter shows musicais, espetáculos com dançarinos, mas também abriremos o espaço para comédia stand-up e exibição de filmes de curta metragem", conta do DJ Gê Rodrigues, que, com o sócio Igor Calmona, pretende revitalizar a quadra, chamada de "ilha da Paulista".
Rodrigues, que não é gay, começou a carreira em casas do tipo há 25 anos e conheceu a Nostro Mundo no auge.
Além das noites tradicionais de sábado, com shows, e as matinês de domingo, a casa terá eventos mensais nas quintas e sextas, além de "after hours" de sábado para domingo até as 14h.
A intenção é trazer grandes nomes da música eletrônica e atrair novos públicos de todas as orientações sexuais - a mudança vem de uma percepção de que o público gay mudou muito.
"Nos anos 1990, os gays saíam muito bem vestidos. Hoje, você fica esbarrando em gente suada e sem camisa e drogada, que escolhe a música pela droga que tomou. É difícil alguém que saia para ouvir um DJ tocar. Queremos valorizar a música."
Grande parte do sucesso da Nostro Mundo na mídia se deve a uma personagem que satirizava a apresentadora Hebe Camargo.
O show, com um sofá colocado no palco da boate, era conduzido por Miss Byá, 71, 50 anos de carreira completos neste ano.
Eduardo Albarella, o maquiador por trás da personagem, fazia entrevistas cômicas com atores globais que, segundo ela, iam de graça só pelo prazer de participar.
"Entrevistei Miguel Falabella, Glória Menezes e Tarcísio Meira juntos, Claudia Raia e até Bibi Ferreira. Só a Hebe que eu nunca tive o prazer de receber. Ela é minha cliente no salão até hoje, mas não é muito chegada no babado gay, não...", conta Albarella.
Ele lamenta a decadência dos shows de transformismo e diz que as drag queens de hoje em dia não têm referência culturais.
"Drag queen, você viu uma, viu dez. As mais poderosas têm, no máximo, um guarda roupa, mas identidade ninguém tem. Na minha época, para fazer número de Elza Soares você tinha que, no mínimo, parecer negra. Hoje tem drag loira de peruca lisa dublando Elza Soares, porque cantar também ninguém mais canta, só dubla."
Faço minhas as palavras de Miss Byá.
Numa cidade onde as baladas gays estão infestadas de pseudo artistas com nome de rum vagabundo, que acham engraçado ficar achincalhando os clientes que pagaram para lá estar e tentar ver um espetáculo com um mínimo de respeito, a notícia da retomada da quarentona Nostro é, para mim, uma das boas notícias do ano.
Afinal, talento e glamour não se conseguem com roupas, maquiagem ou perucas, e sim com perseverança e, principalmente, cultura e boa educação.
Eduardo Albarella, o maquiador por trás da personagem, fazia entrevistas cômicas com atores globais que, segundo ela, iam de graça só pelo prazer de participar.
"Entrevistei Miguel Falabella, Glória Menezes e Tarcísio Meira juntos, Claudia Raia e até Bibi Ferreira. Só a Hebe que eu nunca tive o prazer de receber. Ela é minha cliente no salão até hoje, mas não é muito chegada no babado gay, não...", conta Albarella.
Ele lamenta a decadência dos shows de transformismo e diz que as drag queens de hoje em dia não têm referência culturais.
"Drag queen, você viu uma, viu dez. As mais poderosas têm, no máximo, um guarda roupa, mas identidade ninguém tem. Na minha época, para fazer número de Elza Soares você tinha que, no mínimo, parecer negra. Hoje tem drag loira de peruca lisa dublando Elza Soares, porque cantar também ninguém mais canta, só dubla."
Faço minhas as palavras de Miss Byá.
Numa cidade onde as baladas gays estão infestadas de pseudo artistas com nome de rum vagabundo, que acham engraçado ficar achincalhando os clientes que pagaram para lá estar e tentar ver um espetáculo com um mínimo de respeito, a notícia da retomada da quarentona Nostro é, para mim, uma das boas notícias do ano.
Afinal, talento e glamour não se conseguem com roupas, maquiagem ou perucas, e sim com perseverança e, principalmente, cultura e boa educação.
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