A peça de teatro "Deus da Carnificina", encenada aqui no Brasil no ano passado, já era boa.
O que dizer, então, de um dos diretores mais aclamados de todos os tempos - Roman Polanski - pegar essa peça, extrair dela o melhor da qualidade do texto, chamar a própria autora - a francesa Yasmina Reza - como corroteirista e escalar um acima da média quarteto de atores - Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly - para fazer um soberbo teatro filmado?
Usando brilhantemente o confinamento previsto no texto original de Reza - a ação se passa quase toda na sala de estar de um apartamento em Nova York - Polanski desmembra as muitas nuances de um duelo verbal violento entre dois casais, formado pelos pais de um garoto de 11 anos, Alan e Nancy - Kate Winslet e Christoph Waltz - que agrediu o filho do outro, Penelope e Michael - Jodie Foster e John C. Reilly - com um pau em um parque, quebrando-lhe dois dentes - os dois meninos são colegas de classe.
Fotos: Divulgação - Imagem Filmes
Cena do parque não existia na peça e foi filmada em NY por um assistente de Polanski - o diretor não pode pisar nos EUA |
O incidente, mais que comum na vida de garotos dessa idade, é o estopim para que quatro personagens de origens sociais e culturais diferentes, se enfrentem em diálogos muito acima da média, onde cada um representa posições conflitantes sobre questões explosivas no mundo atual - o politicamente correto, a mobilização por causas do Terceiro Mundo, as regras da vida em comunidade, as diferenças entre homens e mulheres e até os sacrifícios pessoais exigidos pelo casamento.
John C. Reily - Michael - e Jodie Foster - Penelope - são os pais do menino agredido |
Foi durante os sete meses de sua prisão domiciliar - em seu chalé na Suíça, em 2009 - que Polanski escreveu este roteiro, onde ele usa o texto da peça a seu favor, ficando à vontade dentro desse cinema hermético, que ele cultivou tão bem em trabalhos anteriores, como "A Faca na Água" (1962), "Repulsa ao Sexo" (1965) e "O Inquilino" (1976), dirigindo aqui um filme notável por sua intensidade minimalista ao sustentar a ironia que se infiltra nas entrelinhas.
Kate Winslet - Nancy - e Christoph Waltz - Alan - são os pais do menino agressor |
A prisão foi resultado de uma velha pendência com a Justiça norte-americana, sobre um suposto estupro contra uma menor, 35 anos atrás e, justamente por causa disso, apesar de a trama se passar na cidade de Nova York, Polanski não pode ir para lá filmar, já que ele pode ser preso se pisar nos EUA.
John C.Reily, Jodie Foster, Christoph Waltz e Kate Winslet, em cena de "Deus da Carnificina" |
Mesmo assim, o diretor incorpora ao longa duas sequências externas que não aparecem na montagem teatral: a própria briga dos meninos que começa a guerra entre seus pais - filmada num parque de Nova York por um de seus assistentes - e um embate verbal entre o casal Nancy - Winslet - e Alan - Waltz - no banheiro, inexistente no teatro.
Apoiando-se fundamentalmente na notável construção da guerra verbal do texto original, que serve não só para delimitar as diferenças entre os personagens, como para escancarar como são frágeis as máscaras sociais, como a educação, a cultura, até os modos à mesa, o longa me lembrou muito a construção dos diálogos de "Quem tem medo de Virginia Wolf?'.
Dá gosto de ver um longa tão bem construído, interpretado - fazia tempo que eu não via Jodie Foster tão bem - e dirigido como esse.
Confira o trailer do filme:
*****
"O DEUS DA CARNIFICINA'
Título Original:
Carnage
Diretor:
Roman Polanski
Elenco:
Kate Winslet, Jodie Foster, John C. Reilly, Christoph Waltz, Elvis Polanski, Eliot Berger, Joseph Rezwin, Nathan Rippy, Tanya Lopert, Julie Adams
Produção:
Saïd Ben Saïd
Roteiro:
Roman Polanski, Yasmina Reza
Fotografia:
Pawel Edelman
Trilha Sonora:
Alberto Iglesias
Duração:
80 min.
Ano:
2011
País:
França/ Alemanha/ Polônia/ Espanha
Gênero:
Comédia Dramática
Cor:
Colorido
Distribuidora:
Imagem Filmes
Estúdio:
SBS Productions / SPI Poland
Classificação:
12 anos
Cotação do Klau:
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