A essa altura, você já sabe que um grupo terrorista invadiu no mês passado os computadores da Sony Pictures e revelou e-mails confidenciais, roteiros de filmes - inclusive 'Spectre', novo 007 - e longas que ainda nem estrearam- casos de 'Annie' e 'Coração de Ferro' - foram vazados na íntegra.
Tudo por causa de 'A Entrevista', comédia da Sony, estrelada por James Franco e Seth Rogen e que conta a história do assassinato do ditador da Coreia do Norte, é o ponto central das invasões, pois o grupo terrorista quer impedir que o filme chegue aos cinemas para, segundo eles mesmos, "salvaguardar a imagem do líder norte-coreano".
Na terça (16), o filme teve sua estreia em Nova York cancelada e hoje, as maiores redes de cinema anunciaram que não vão exibir o filme.
Mas como tudo isso começou?
Como nas últimas semanas Hollywood sofreu um dos seus mais duros golpes?
Como a divulgação de uma série de e-mails, filmes inéditos, relatórios e conversas secretas da Sony Pictures acendeu um alerta sobre a indústria que mais lucra no mundo?
Afinal, o quão protegidos estão os grandes estúdios?
A fachada da Sony Pictures, em Hollywood - Variety |
O grupo de hackers "Guardians of Peace" - que assumiu a responsabilidade pelas informações vazadas - segue fazendo novas ameaças, deixando produtores, executivos e atores sem ação.
Tudo motivado pelo lançamento de 'A Entrevista', comédia estrelada por James Franco e Seth Rogen e que zoa, sem dó nem piedade, o governo e o ditador da Coréia do Norte.
Se quando os ataques cibernéticos começaram, no mês passado, havia ainda dúvidas, hoje fontes federais do governo norte-americano já disseram que as primeiras investigações mostram que o grupo está mesmo ligado ao país do ditador Kim Jong-un.
"Paguem pelo prejuízo ou a Sony Pictures será bombardeada. Fomos prejudicados pela Sony Pictures. Queremos uma compensação econômica. Conhecem-nos muito bem. Não costumamos esperar muito. É melhor que se comportem sabiamente. Já os advertimos. Isso está só começando", disseram os ciber-piratas em comentário público revelado na última semana.
Acuada e depois de ver as maiores redes de cinema americanas, com medo de possíveis ataques, se recusarem a exibir 'A Entrevista', a Sony cancelou a estreia do filme nos Estados Unidos, marcada para 25 de dezembro.
A decisão dos donos de cinema - em capitular e não exibir o longa, também é polêmica.
Ontem (17), os hackers alertaram as pessoas para ficarem longe dos cinemas que exibissem o filme, relembrando os cinéfilos sobre os ataques ao World Trade Center, no dia 11 de setembro de 2001.
"Recomendamos que vocês se mantenham distantes desses lugares durante esse período. Se sua casa for próxima, é melhor você sair", escreveram os hackers.
A Landmark, empresa que iria realizar a sessão de estreia em sua sala novaiorquina no Lower East Side, encaminhou um e-mail para a Sony dizendo que a exibição do filme seria cancelada.
Outras operadoras seguiram o mesmo caminho da Landmark e não exibiram o longa.
Pior: a Sony tomou uma decisão, no mínimo polêmica, ao dizer - via Variety - que pode lançar 'A Entrevista' somente em serviços de vídeo on demand - como o Netflix e o Amazon Video.
Segundo a Variety, a Sony visa com isso recuperar parte dos US$ 42 milhões gastos na produção e publicidade do longa.
O filme, orçado em cerca de US$ 80 milhões, deve ser responsável por um dos maiores prejuízos do estúdio neste ano.
Rapidamente, vários nomes importantes de Hollywood se posicionaram sobre o cancelamento.
O roteirista e ator Steve Carrell publicou em seu Twitter:
"É um dia triste para a liberdade criativa".
Já o controverso cineasta Michael Moore fez piada:
"Queridos hackers: agora que vocês abalaram Hollywood eu também gostaria de ver menos comédias românticas, menos filmes do Michael Bay e não mais Transformers".
Afinal, qual o problema de 'A Entrevista' e por que a Sony?
Previsto para estrear no Brasil em 25 de janeiro, 'A Entrevista' é uma comédia produzida e estrelada pela dupla James Franco e Seth Rogen, ambos conhecidos pelo humor ácido e por vezes debochado.
O filme, em tom cômico, trata de um complô para assassinar o presidente da Coréia do Norte, Kim Jong-Un - o que irritou os hackers.
Confira o trailer de 'A Entrevista':
Investigações independentes publicadas pelo jornal espanhol 'El País' mostram que cerca de 5.900 hackers trabalharam para o regime norte-coreano, muitos hospedados em outros países.
O #SonyLeaks escancara um problema que já vinha sendo notado em outras empresas: é preciso investir em segurança.
Mas este não é o único motivo apontado para o ataque: os delatores ainda criticam a presidência da Sony, a falta de igualdade interna no estúdio e as relações controversas - boa parte dos e-mails mostram conversas nada ortodoxas dos membros do alto escalão da empresa.
O que vazou?
A mais prejudicada com os vazamentos é a co-presidenta do estúdio, Amy Pascal, já que boa parte dos e-mails trocados por ela, produtores e colegas atores e atrizes foram revelados.
A lista é extensa, e criou uma saia justa sem precedentes.
Em uma das mensagens, Pascal confirma que o salário recebido pelas estrelas Amy Adams e Jennifer Lawrence foi menor do que o do elenco masculino no sucesso 'Trapaça', o que já vem causando burburinho em grupos que lutam pelos direitos das mulheres.
Jennifer Lawrence e Amy Adams, em cena de 'Trapaça' - Divulgação |
Em outra conversa, George Clooney se mostra preocupado com as péssimas críticas recebidas por 'Caçadores de Obras-Primas':
"Preciso de proteção contra todas as resenhas. Façamos com que isso seja um sucesso. Não dormi nada nas últimas 30 horas", diz o ator e produtor.
Ao lado de Matt Damon, George Clooney aparece em cena de 'Caçadores de Obras Primas' |
Em uma conversa entre a executiva e o diretor David Fincher, Angelina Jolie é chamada de "pirralha mimada com pouco talento".
Angelina Jolie: "Piralha mimada com pouco talento", segundo Amy Pascal - Mirror/UK |
O ator Adam Sandler era piada em mensagens trocadas internamente: em uma delas, um executivo disse:
"Nós continuamos a nos deparar com esses filmes mundanos e cheios de fórmulas do Adam Sandler".
O ator Adam Sandler - Variety |
E agora?
O primeiro efeito direto é nos cofres da Sony Pictures.
O não lançamento de 'A Entrevista' e os vazamentos de filmes completos e que ainda vão chegar aos cinemas - como 'Corações De Ferro' e 'Annie' - pode render um prejuízo estimado em US$ 100 milhões ao estúdio.
Há ainda uma perda que não há como calcular: fuga de patrocinadores e estrelas e a imagem arranhada pelo escândalo pode causar ainda mais prejuízos, principalmente a longo prazo.
Há também uma perda estratégica: detalhes de vários filmes previstos para estrear e ainda em pré-produção - como o roteiro do novo 007, 'Spectre', que começou a ser rodado nessa semana - vazaram.
Uma investigação feita pelo The New York Times mostra que o presidente da Sony japonesa, Kazuo Hirai, já tinha alertado a filial americana sobre os riscos de expor o líder norte coreano.
Amy Pascal, porém, defendeu a produção e tal escândalo pode significar que sua permanência na empresa hoje é incerta.
Hollywood agora terá que lidar com a insegurança que paira sobre tudo e todos, com a necessidade de rever, tecnicamente e eticamente, suas relações.
É um olhar para dentro, já que o vazamento quebra uma importante barreira, construída durante anos entre os grandes executivos e o consumidor final.
Nua e exposta, Hollywood certamente vai se reerguer e o tempo dirá quais lições foram aprendidas.
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