sexta-feira, 7 de março de 2014

'WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS': INVERÍDICO MAS BEM EXECUTADO, LONGA É PROVA QUE A DISNEY AINDA É MESTRE NA ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS QUE A FAVOREÇAM


O mago dos magos Walt Disney passou 14 anos tentando convencer a autora australiana P.L. Travers a ceder os direitos de sua saga literária 'Mary Poppins' para o cinema, mas, após finalmente o filme - que catapultou Dame Julie Andrews ao estrelato - ser lançado em 1964, a escritora não aprovou o resultado e mais: proibiu qualquer outra adaptação dos sete livros da saga restantes.

Resumida assim, a trama de 'Walt nos Bastidores de Mary Poppins', que estreia hoje em 96 salas em todo o Brasil, pode incutir ao espectador um final infeliz, mas o filme, fantasioso, inverídico e bem executado, mostra justamente o contrário.

A primeira inverdade do longa aparece logo no começo, quando o espectador fica sabendo que as filhas de Walt Disney (Tom Hanks, caricato ao extremo) eram fãs da saga em oito volumes 'Mary Poppins', obra da escritora e atriz australiana P.L. Travers (Emma Thompson)  e publicada em Londres em 1934.

Disney então teria feito uma promessa aparentemente fácil de cumprir às meninas: levar às telonas a história da babá com poderes mágicos que voa auxiliada por um guarda-chuva.

Tom Hanks é Walt Disney - Fotos dessa postagem: Divulgação/Walt Disney Pictures

Para o empresário mega milionário, que havia criado um império a partir de um ratinho em 1929, a promessa parecia fácil de se cumprir - mas não foi, pois  P.L. Travers alimentava um desprezo por Disney e sua fábrica de sonhos.

Mais: era apaixonada por sua obra e temia que esta fosse deturpada pelo criador do Mickey.

Esse pé atrás teria a ver com a infância da autora e sua relação com o pai (interpretado por Collin Farrell em flashbacks que correm paralelos ao presente do longa).

Como resultado dessa reticência, Disney teria levado quase duas décadas para convencer Travers a lhe ceder os direitos de adaptação para o cinema do primeiro tomo da obra.

Collin Farrell aparece em flashbacks como o pai da escritora

Como nada do que a Disney - maior conglomerado de entretenimento do mundo - entrega ao espectador é verdadeiro, fica impossível dizer o que é real, o que é lenda e o que é invenção do roteiro - de Kelly Marcel e Sue Smith - no longa.

Mas é possível notar que aqui, tanto Disney quanto Travers são retratados de forma simplista e rasa.

Ele é um empresário gente boa, simpático e camarada com seus funcionários, que gosta de passear em seu parque - a Disneylândia de Anaheim, cidadezinha próxima de Los Angeles - distribuindo autógrafos às multidões que o frequentam.

Um pai amoroso, que luta contra a resistência de Travers somente para poder cumprir a promessa que fez às filhas.

Na realidade, Walt era um machista convicto, que detestava multidões e ter de adular a escritora para conseguir sua aprovação, que só a viu pessoalmente uma única vez e que jamais foi a Londres na tentativa de convence-la, nem a levou vários dias para passear na Disneylândia - como o longa mostra.

Emma Thompson é a escritora P.L. Travers

No longa, Disney aparece apagando um único cigarro; na vida real, ele fumava muito, todo o tempo e chegava a acender um cigarro na bituca do outro, tanto que morreu de câncer no pulmão causado pelo tabaco em 15 de dezembro de 1966, sem ver seu segundo parque temático - a Disney World de Orlando, Flórida - terminado.

Ela, por sua vez, é uma megera rabugenta, uma artista que parece querer manter a integridade de sua criação a todo custo e só aceita ir para os Estados Unidos para ver o projeto de Disney para seu livro por estar com graves problemas financeiros.

Já na Disney Studios em Burbank, não hesita em destratar quem encontra pela frente: do motorista que vai pegá-la no aeroporto (Paul Giamatti) aos roteiristas e compositores do filme - nem mesmo o afável Disney escapa de seu mau humor.

A ótima cena da dupla no carrossel da Disneylândia na realidade nunca aconteceu

Na realidade, Travers era uma mulher muito tímida e insegura, que realmente morria de ciúmes dos seus personagens, mas pessoalmente era muito mais simpática que sua persona retratada por Emma Thompson e nunca sequer pisou na Disneylândia na vida.

Mesmo retratados sem maior profundidade, para as necessidades dramáticas do filme a dupla funciona, com a dupla de roteiristas sabendo dosar a antipatia de Travers para não torná-la alguém desprezível para o público, tudo permeado com doses de humor pautando seus arroubos de intolerância.

Emma Thompson - que merecia ter sido indicada ao Oscar pois está sensacional no papel - consegue expressar inquietude constante e um coração batendo por trás da mulher aparentemente fria.

O resultado do embate entre a escritora e o mago todos sabemos: o filme homônimo, estrelado por Dame Julie Andrews e Dick Van Dyke, foi lançado em 1964, tornou-se um grande sucesso ao misturar drama e humor, música, efeitos especiais e animações com atores de carne e osso, catapultando para sempre Dame Andrews ao estrelato das grandes da telona em todos os tempos.

O filme ocupa a sexta colocação na lista dos 25 maiores musicais americanos de todos os tempos - idealizada pelo American Film Institute (AFI) e divulgada em 2006.

A dupla passeia pela Disneylândia: na realidade, a escritora nunca pisou lá e Walt tinha horror a multidões

'Mary Poppins' levou em 1965 os Oscars de melhor atriz (Dame Julie Andrews), melhores efeitos visuais, melhor edição, melhor canção original e melhor trilha sonora substancialmente original, o Bafta de melhor revelação em papel principal no cinema(Andrews) e o Globo de Ouro de melhor atriz - musical / comédia (Andrews).

Pena que na vida real, a escritora tenha detestado o resultado final e proibido Disney e quem mais quisesse de adaptar os outros sete livros da saga.

Mas o drama recheado de bom humor que foi o duelo de participação colaborativa entre o todo-poderoso Disney e sua equipe e a autora durona diverte e encanta pequenos e adultos.

Mais: a concepção visual dos anos 60, dos cenários, figurinos e gestuais encanta a todos pelo primor.

Afinal, é um filme com a marca da Disney, craque em nos fazer aflorar a emoção e nossos melhores sentimentos - mesmo que para isso as situações reais sejam invertidas ou recontadas à sua maneira.

E quando os créditos ao final subirem, nem pense em se levantar e sair da sala, pois as gravações originais de áudio de Travers se confrontando com os realizadores do filme são ouvidas, o que garante mais alguns minutos de riso.

Confira o trailer do longa:


*****
'WALT NOS BASTIDORES DE MARY POPPINS'
Título Original:
SAVING MR. BANKS
Gênero:
Comédia Dramática
Direção:
John Lee Hancock
Roteiro:
Kelly Marcel, Sue Smith
Elenco:
B.J. Novak, Bradley Whitford, Colin Farrell, Dendrie Taylor, Emma Thompson, Jason Schwartzman, Kathy Baker, Mia Serafino, Paul Giamatti, Rachel Griffiths, Ronan Vibert, Ruth Wilson, Steven Cabral, Tom Hanks, Victoria Summer
Produção:
Alison Owen, Ian Collie, Philip Steuer
Fotografia:
John Schwartzman
Montador:
Mark Livolsi
Trilha Sonora:
Thomas Newman
Duração:
125 min.
Ano:
2013
País:
Estados Unidos
Cor:
Colorido
Estreia no Brasil:
07/03/2014
Distribuidora:
Walt Disney Pictures
Estúdio:
Walt Disney Pictures
Classificação:
12 anos
Cotação do Klau:

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