O mais importante jornal do mundo - o "The New York Times" - deu matéria de capa para o seu repórter Michael Schwirtz: a Assembleia Legislativa de São Petesburgo aprovou uma lei com o objetivo de eliminar o que seus defensores chamam de “propaganda” sobre a homossexualidade entre menores de idade, deixando grupos de defesa dos direitos dos homossexuais temerosos quanto a uma repressão iminente contra suas atividades, uma vez que outras cidades também prometeram pensar em adotar medidas similares.
A lei, que segue leis similares aprovadas em outros lugares recentemente, parece ser uma reação a iniciativas cada vez mais expressivas por parte dos grupos de defesa dos direitos dos homossexuais, particularmente em São Petesburgo e Moscou, para atrair atenção para o assunto.
Vitaly V. Milonov, principal redator da lei e defensor declarado da Igreja Ortodoxa russa, que se referiu aos gays como “pervertidos”, acusou os ativistas pelos direitos dos homossexuais de fazerem uma campanha agressiva de conversão entre os jovens da Rússia, com o apoio de governos ocidentais.
AFP/Getty Images
Na montagem, imagens de como o governo russo trata seus cidadãos gays
“Esta é uma declaração da soberania moral russa”, disse Milonov em comentários para a televisão logo depois da sessão legislativa.
De acordo com a nova lei, que foi aprovada por 29 votos contra 5, “ações públicas dirigidas à propaganda da sodomia, lesbianismo, bissexualidade e transgeneridade entre menores” serão punidas com multas de até US$ 17 mil.
A lei define a propaganda sobre homossexualidade como “a disseminação descontrolada e direcionada de informações facilmente acessíveis capazes de prejudicar a saúde, a moral e o desenvolvimento espiritual de menores”, particularmente daquelas informações que podem criar “uma impressão distorcida” de “relações maritais”.
Igor Kochetkov, chefe da Rede GLBT Russa, um grupo de defesa de direitos com sede em São Petersburgo, disse que o argumento da lei é “absurdo”.
“Eles também podem adotar uma lei contra que apaguem a luz do sol, mas ninguém tem a capacidade de fazer isso”, disse Kochetkov.
“Mesmo que alguém quisesse, por mais propaganda que se faça, não é possível transformar um heterossexual em gay.”
Ele disse temer que a lei possa ser usada para coibir as iniciativas dos ativistas pelos direitos dos homossexuais, que só recentemente vêm discutindo o tema de forma aberta o suficiente a ponto de atrair atenção.
“Esta é uma lei que pode ser usada, e será usada, para rastrear organizações e evitar ações públicas”, disse ele.
“Mais importante que isso, ela será usada para a propaganda oficial. Oficialmente, a homossexualidade será considerada ilegal, uma coisa incorreta e que não pode ser discutida com as crianças. A lei criará uma atmosfera negativa na sociedade em torno dos gays e lésbicas, bem como em torno de nossas organizações.”
A discussão aberta sobre a homossexualidade praticamente não existia na Rússia até poucos anos atrás.
Uma lei da era soviética que punia com prisão as relações entre pessoas do mesmo sexo foi revogada em 1993, mas o tema continuou sendo um tabu fora de um punhado de bares e clubes nas grandes cidades russas.
Nos últimos anos, as tentativas de realizar manifestações pelos direitos homossexuais foram vistas com desprezo e hostilidade por parte de oficiais e grupos religiosos, e via de regra acabaram em violência.
Mas gradualmente o tema começou a atrair a atenção da mídia russa, inclusive da TV controlada pelo governo, que algumas vezes serviu como uma plataforma para os defensores de direitos iguais para os gays.
Como costuma acontecer, a aprovação da nova lei ajudou a elevar o nível da discussão nacional sobre o tema: a lei desencadeou um frenesi da mídia quando foi apresentada no ano passado, e tem sido alvo de debates acalorados na televisão.
Num debate num programa popular sobre política, os oponentes da lei gritaram para Milonov depois que ele acusou os grupos de defesa dos direitos dos homossexuais de “atacar” crianças e “tentar maltratá-las sexualmente”.
Em determinado momento, o apresentador vestiu uma bandeira de arco-íris como se fosse uma capa, numa provocação contra outro legislador de São Petesburgo que sugeriu proibir essas bandeiras por causa de sua associação com os direitos dos homossexuais.
Grupos internacionais de defesa dos direitos humanos e governos ocidentais pediram aos legisladores para não aprovarem a lei, e alguns grupos de oposição na Rússia a condenaram.
“Considero essa lei uma provocação com a intenção de dividir a sociedade numa questão que poderia ser usada para ensinar as pessoas a serem compreensivas”, disse Aleksandr Korbinsky, membro da oposição no Parlamento de São Petesburgo que votou contra a medida, à rádio Ekho Moskvy.
“Precisamos ajudá-los a se tornarem membros da sociedade com todos os direitos, e não fazer com que eles se sintam como cidadãos de segunda classe.”
Defensores da nova medida insistem que há um amplo apoio na sociedade russa para leis destinadas a proteger o que eles chamam de valores tradicionais russos.
Numa pesquisa de 2010 feita pelo Centro Levada - agência de pesquisa com sede em Moscou - 84% dos 1.600 adultos entrevistados disseram que são contra dar a casais do mesmo sexo o direito de se casar.
A pesquisa mostrou que 45% dos entrevistados disseram que homens e mulheres homossexuais deveriam ter os mesmos direitos que os demais russos, 41% disseram que eles não deveriam, e 15% estavam indecisos.
Segundo a pesquisa, 18% dos entrevistados disseram que os homossexuais deveriam ser isolados da sociedade - a pesquisa tem uma margem de erro de mais ou menos três pontos percentuais.
A nova lei deve enfrentar oposição do governador de São Petesburgo, que precisa assiná-la antes que ela entre em vigor.
As assembleias legislativas de Arkhangelsk e Ryazan aprovaram leis similares, e outras disseram que seguirão o mesmo caminho.
Valentina I. Matviyenko, presidente da câmara alta do Parlamento russo e ex-governadora de São Petesburgo, sugeriu que a medida pode ser adotada em nível federal.
Tomara que o governador vete essa lei medieval e absurda.
Desde já, toda sorte e solidariedade aos gays russos.
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