quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

‘EM FAMÍLIA’: HISTÓRIA BOA SE PERDE NAS TERRÍVEIS DIREÇÃO DE ARTE E ESCALAÇÃO DO ELENCO


Nem vamos falar que ‘Em Família’ – nova novela das 21h da Globo – foi a pior em audiência da emissora na sua primeira semana de exibição em todos os tempos.

Vamos falar, sim, que, apesar do bom roteiro do sempre competente Manoel Carlos, a novela peca por uma direção de arte terrível - que confunde os anos 70 e os 90 - e tem o elenco mais mal escalado de todos os tempos, onde atrizes que poderiam ser irmãs fazem papéis de mãe e filha, por exemplo.

Preocupada com a pífia audiência da primeira semana, a Globo turbinou a novela na semana passada  para que a trama saísse das tais primeiras e segundas fases e finalmente chegasse aos dias atuais – que é o que realmente importa para o desenvolvimento do roteiro  proposto.

Encerradas nesta segunda(10), as duas primeiras fases foram marcadas por falhas de caracterização, erros ao retratar os anos 1980 e 1990 e omissão proposital de ordem cronológica para camuflar as fragilidades, o que deixou o telespectador confuso, principalmente nas passagens de tempo.

O que se viu nos primeiros seis capítulos, que por causa da baixa audiência condensaram acontecimentos previstos inicialmente para 12, foi uma caracterização genérica da época, onde os veículos na virada dos anos 1980 para os 1990 eram do início dos anos 1970 – e tome Brasílias, Fuscas, Variants... – e a direção de arte (cenários) figurino e a caracterização dos personagens não informaram em que época eles estavam – o que deixou o telespectador mais confuso ainda.

Cyria Coentro caminha por uma Goiânia em 1989/90 tomada por carros dos anos 1970 - Reprodução - TV Globo
A Globo admite que adotou uma caracterização "atemporal" e que procurou marcar o tempo de forma "leve", só que esse ‘samba do crioulo doido ‘ desapontou telespectadores mais exigentes, que esperavam pelo já costumeiro "Padrão Globo de Qualidade", de reproduções quase impecáveis de épocas.

Especialistas ouvidos apontaram os principais problemas na econômica caracterização das duas primeiras fases da trama:
“Não teve caracterização. Nas roupas, não vi nada que marcasse a época”, disse a consultora de moda e coordenadora de imagem Ana Pasternak.
“Acho que deram uma pincelada genérica, dando a sensação da década de 1980. São roupas atuais”, completa.

"Todos esses carros são dos anos 1970", afirmou o jornalista Fernando Calmon ao ver fotos da sequência, exibida sábado (8), em que Laerte (Guilherme Leicam) fica preso no trânsito de Goiânia a caminho da igreja.

Embora não ficasse claro em que ano a cena do congestionamento se passava, era algo entre 1989 e 1990 e os carros eram Opalas e Fuscas (antigos), um Corcel do início dos anos 1970, uma Brasília de 1973, uma Veraneio (lançada em 1964) e até uma Rural dos anos 1950.

Bruna Marquezine dirige caminhonete dos anos 1970 em cena do final dos 1980/início dos 1990  - reprodução/TV Globo
"Isso está totalmente fora da época, mesmo para Goiânia. A produção arrumou os carros que eram possíveis, mas pegaram automóveis muito antigos", sentencia Calmon.

Se os carros eram muito velhos para a época retratadas, no capítulo de segunda(10), mais um senhor furo: os estupradores que atacaram Neidinha (Jessica Barbosa), no Rio de Janeiro de 1991, estavam em uma van Hyundai H100, que foi produzida lá fora entre 1987 e 1996 e chegou a ser montada no Brasil entre 1999 e 2001 – um erro imperdoável em uma produção da Globo, especialmente para as 21h.

E os cabelos e penteados da novela?

O hair stylist Marco Antonio Di Biaggi vê poucas referências dos anos 1980 e destaca que as festas, como o baile de formatura e o quase casamento de Helena (Bruna Marquezine), o trabalho de composição foi todo atemporal.
“Ali é tudo uma variação do mesmo tema. Usaram um presinho tipo Grace Kelly e o que chamamos de ‘princess’, que é um cabelo meio preso, meio solto, com ondulações. Isso não retrata época, é atemporal”, diz Di Biaggi.

Segundo o cabeleireiro, somente a personagem Selma (Camila Raffani), a mãe de Laerte, tinha um corte dos anos 1980:
“Chanel longo e reto é mais difícil ter nos dias de hoje. Esse corte se modernizou muito”, comenta.

A trama de Manoel Carlos tem três fases, começando nos anos 1980 até chegar em 2014, mas o telespectador só tinha recebido a informação de que na fase adolescente de Helena (Julia Dalavia), exibida somente no primeiro capítulo, era a década de 1980.

Bruna Marquezine entrou para viver a personagem na segunda fase, mas em que ano ela se formou e ficou grávida não havia a mínima pista até o capítulo de segunda(10), quando Laerte foi condenado - ao ler a sentença, o juiz disse a data: 14 de março de 1990.

Com esse dado, somando um ano em que o personagem ficou preso e o segundo salto no tempo, divulgado como sendo de 20 anos, a história ainda estaria no passado, em 2011 – mas, segundo a Comunicação da Globo, ‘Em Família’ entrou em 2014 nesta terceira fase!

Agora, o maior furo da novela – para mim o pior de todos os tempos da Globo – é a escalação errada dos protagonistas dessa terceira fase: Julia Lemmertz, a Helena, tem 50 anos, enquanto Gabriel Braga Nunes, o Laerte, está com 42 anos – e não me venham dizer que a Helena de Julia aparenta ter 40 porquê o HD das cenas não mente.

A diferença de oito anos dos atores ganha um peso ainda maior quando se junta o fato de que na cena do batizado de Helena, ainda bebê, Laerte já era um menininho de três ou quatro anos no colo de sua mãe.

O telespectador também não engoliu que a tia de Helena, Juliana (Vanessa Gerbelli) é bem mais jovem que Julia Lemetz; que Ana Beatriz Nogueira (49 anos) faça a mãe de Gabriel Braga Nunes, que Humberto Martins – com muito mais de 50 – seja o Virgílio na terceira fase – já que ele e Laerte tinham idades iguais na fase anterior .

E Natália do Valle como a mãe de Julia Lemetz?

Pior: Bruna Marquezine interpretando agora a filha de Helena - que ela interpretou na segunda fase - só embolou de vez o entendimento de quem tentou assistir à novela.

O trio protagonista mal escalado: idades não convencem - Divulgação/TV Globo
Diante dos questionamentos em relação ao trabalho de arte e caracterização da trama e também de cronologia da história, a TV Globo por meio de nota, tentou explicar a bagunça:

“Novelas são obras de ficção, sem compromisso com a realidade, como assinamos em todo final de capítulo. No caso de Em Família, não se tem a intenção de definir um ano exato para cada ação. A primeira fase acontece nos anos 1980, a segunda fase, nos anos 1990 e a terceira fase, nos dias atuais. Laerte sai do Brasil e fica no exterior por volta de 20 anos. Como essas décadas ainda estão muito frescas na memória, o que marca as mudanças de fases são os detalhes. As músicas, os carros e as roupas dessas diferentes décadas ainda podem ser vistos e ouvidos até hoje. Houve um cuidado grande das equipes de arte, caracterização e figurino para que tudo fosse marcado de forma leve.”

Ou seja: a emissora não assume que a direção de arte e caracterização da novela só confundiram o telespectador e isso foi o fator maior para que a novela tivesse baixa audiência.

No mais, o texto de Manoel Carlos é bom, os temas propostos pela trama são pertinentes, e o elenco é esforçado – pena que ninguém convença em seus papéis.

‘Em Família’ é, assim, um dos maiores erros da tele dramarurgia da Globo em todos os tempos.

‘EM FAMÍLIA’
Onde: Globo
Quando: Segunda a sábado
Horário: 21h.
Cotação do Klau:

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