Todo mundo que me conhece sabe o quanto eu sofro com perdas e a do Ayrton é a mais doída por ter acontecido também numa fase péssima da minha vida.
Vê-lo exercer seu ofício todo domingo de manhã era naquela época meu único alento, minha única alegria e quando sua Williams bateu na Tamburello eu já sabia que ele estava morto.
Não me lembro de quem estava ao meu lado e falava, vendo as imagens do helicóptero:
“Mas ele está se mexendo!” – e eu dizia: “Não, não está, isso se chama ‘espasmo pós mortem’, eu já cansei de ver isso nos acidentes horrorosos que eu vejo nas estradas”.
Naquela época eu trabalhava viajando o tempo todo, por estradas terríveis mesmo dentro do estado de São Paulo e não tinha semana que eu não ajudasse no resgate de alguém preso em ferragens – engraçado que com os outros eu vou em socorro, estanco sangue, faço tudo o que meus conhecimentos de primeiros socorros permitem; comigo, eu não posso nem espetar o dedo na agulha que já passo mal.
Num país de vagabundos de quinta categoria, que inventam doenças só para ficar na boa em prisão domiciliar quando deveriam estar puxando cana no presídio – vide ‘José Genoíno’, - quando pessoas públicas estão pouco se lixando pra nós e só pensam em se perpetuar no poder – vide ‘Lula’, ‘Sarney’, ‘Alckmin’ – quando jovens de menos de 40 anos querem “a volta da Ditadura” como pedem um show do ‘Metállica’ – ouviram dizer que era bom e querem – Ayrton ela um alento, um dos brasileiros mais exemplares que tivemos o prazer de conhecer.
Sem ensino formal, seu cérebro privilegiado o tornou um homem frio, determinado e preciso como um relógio suíço quando assim as circunstâncias determinavam, ao mesmo tempo que transmitia confiança e doçura com os mesmos olhos que seu sobrinho Léo também tem.
Não à toa morreu no primeiro de maio, Dia do Trabalho na maior parte dos países deste planeta.
Quem eu escolheria como exemplo de trabalhador? Ayrton, evidente!
O Ayrton que me desmonta mais é aquele do fantástico GP do Brasil de 24 de março de 1991: ganhar um GP no seu país tinha se transformado em obsessão não só pra ele, mas para todos nós.
A corrida estava na metade, quando, pelo rádio, ele foi informando o box da McLaren que tinha perdido uma, depois duas, depois três, até ficar com uma marcha só no câmbio.
Não é que sua determinação, fé, dor, realização e competência o fizeram completar as 71 voltas da prova em 1h38min28s128 (o único número que guardo de cor na minha vida), chegando quase a 3s de vantagem sobre o segundo colocado, Riccardo Patrese, da Williams?
Muitos duvidaram que ele pudesse ter pilotado com uma só marcha, mas a McLaren fez questão de, na semana seguinte, convocar coletiva na sua sede na Inglaterra e mostrar as engrenagens do câmbio do carro do Ayrton todas detonadas - ele realmente correu a metade da corrida sem câmbio, ganhou com uma marcha só e foi sen-sa-cio-nal!
Era minha primeira vez em Interlagos e aquela cena, dele parando na pista, o povo invadindo e o tomando nos braços, aconteceu a menos de 100m de onde eu estava – foi a primeira vez na minha vida que perdi totalmente o controle, a voz, a pulseira do camarote, tudo.
Depois, a emoção de vê-lo no lugar mais alto do pódio, sem braços para levantar o troféu mas levantando-o por sobre a cabeça num último esforço.
Voltar pra casa e ver na TV, ao vivo, a festa que centenas faziam à porta da sua casa no Tremembé - bairro aqui colado ao meu - e o áudio dele berrando após a bandeirada final – “Eu não acredito!”’ – completaram esse que foi, para mim, um dos melhores dias da minha existência.
Desde que ele morreu – e já se foram vinte anos – sempre faço o exercício de imaginar como seria se ele, após a batida na curva Tamburello, tivesse saído de sua Williams andando, pegasse uma daquelas lambretinhas para voltar ao Box, para aparecer ao vivo no ‘Fantástico’, à noite, só usando um simples colar ortopédico “por recomendação médica”, se dizendo bem e nos tranquilizando a todos.
Essa noite, sonhei novamente com essa cena e hoje, ao abrir meu Facebook, dei de cara com essa foto - abaixo - que meu amigo Marcelo Moraes, grande locutor e radialista, postou:
“Do blog Voando Baixo, no Globo.Com: Para quem gosta de itens ligados a Ayrton Senna:
O fã brasileiro Bruno Vasconcellos fez este belo diorama inspirado na pintura do ucraniano Oleg Konin, intitulada “Formula Alone”, que mostra uma realidade paralela em que Ayrton Senna escaparia ileso de sua Williams após o acidente no GP de San Marino de 1994, na curva Tamburello.
Muito detalhada, a peça – “If Senna had survived” (Se Senna tivesse sobrevivido) – foi produzida artesanalmente usando a miniatura 1:18 da Minichamps lançada na época.
Segundo Bruno, já chegaram a oferecer quase US$ 3 mil (cerca de R$ 6 mil) pela peça, mas ele se recusa a vendê-la.”
Algum empresário, alguém, poderia possibilitar ao Bruno a possibilidade dele fazer milhares de dioramas desses: muito comuns nos EUA – tem com Elvis, com Kennedy e James Dean velhinhos – essa peça seria um alento num país tão desgraçadamente carente de ídolos, a ponto de dois grandes clubes paulistanos estarem nessa semana brigando em público por um jogador medíocre chamado Alan Kardec!
Se ainda fosse por um Neto, por um Evair, por um Rivellino, por um Edmundo – que eu vi jogar – mas por Alan Kardec?
Não foi pra isso que o Ayrton morreu, dando o máximo de si.
Seu legado é de determinação e, principalmente, de excelência.
Se cada um de nós procurarmos fazer das suas vidas ao menos vidas com um brilho de excelência, teremos a semente de Ayrton Senna da Silva eternamente dentro de nós.
Lógico, o Instituto está aí, os jovens chorosos - no cemitério em que ele está enterrado - hoje, também.
Vamos chorar? Vamos!
Mas vamos partir para ação, que o legado do Ayrton brilhará mais.
Foto: Diorama de Bruno Vasconcellos mostra Ayrton saindo ileso após acidente
(Globo.com + Arte: Cláudio Nóvoa)
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