sábado, 10 de novembro de 2018

CRÍTICA - 'SUPERDRAGS': ANIMAÇÃO ADULTA SAMBA NA CARA DAS CRÍTICAS PRÉVIAS, DIVERTE E ATÉ EDUCA


SINOPSE:

Patrick, Donny e Ramon são três amigos gays, que trabalham em uma loja de departamento.

Se precisam lidar com os clientes do local e o chefe implicante, eles se libertam ao se transformar em três beldades repletas de brilho: Lemon Chiffon, Safira Cian e Scarlet Carmesimem, as Super Drags.

CRÍTICA:

Desde o momento que a Netflix anunciou a produção da série animada sobre heroínas drag queens, a polêmica começou.

Sem saber do que se tratava, a até então séria Sociedade Brasileira de Pediatria e, lógico, vários políticos ligados a igrejas evangélicas fundamentalistas manifestaram repúdio ao projeto, mas o serviço de streaming, com uma calma zen budista, fez questão de explicar, incontáveis vezes, que 'Super Drags', que estreou nesta sexta, não é para crianças, é uma animação adulta, feita para maiores.

E isso fica bem claro desde a primeira cena e, lógico, quem não viu e comentou passou, vergonha - no débito ou no crédito? - assinando seu atestado de burrice, ao pensar que a atração foi destinada para o público infantil.

Desenhos animados voltados para o público adulto não são exatamente uma novidade, já que séries como 'Os Simpsons' e 'Family Guy' estão em exibição há anos e a própria Netflix já investe em produções como 'BoJack Horseman', que aborda temas delicados como aborto e depressão.

Criada por Anderson Mahanski, Fernando Mendonça e Paulo Lescaut, 'Super Drags' mergulha no universo LGBT para dar vida a Patrick, Donizete e Ralph, três amigos gays que  se transformam nas poderosas drag queens Lemon Chifon, Scarlet Carmesim e Safira Cyan, combatendo os mais diferentes vilões.

As Super Drags em ação - Imagens dessa postagem: Divulgação/Netflix
Desde o piloto, já dá para perceber que essas protagonistas estão longe de serem modelos exemplares de heroínas, já que estão cercadas por situações politicamente incorretas, imagens explícitas e piadas sexuais em profusão - até as famosas 'portas de banheiro' com recados sexuais explícitos aparecem, para a nossa alegria.

A série é um processo tão profundo de imersão na cultura popular LGBT que isso renderá experiências bastante distintas ao público, de acordo com o quão envolvido o espectador está nas referências específicas dessa realidade.

Quando mais familiarizado o público estiver com virais, ícones e, principalmente, terminologias da comunidade LGBT - o famoso pajubá -, mais interessante e divertida será a experiência de acompanhar as aventuras das Super Drags.

No extremo oposto, quem não estiver minimamente introduzido nesse universo, não só sentirá a necessidade de um glossário para entender as conversas entre as personagens como deixará passar batidas várias das referências mais geniais da série.

A animação, coloridíssima, surge para se comunicar com o público da internet, brincando com elementos da sociedade brasileira e espalhando representatividade através da zoeira tão característica desse segmento importante da sociedade.

A série começa bem introdutória e com um humor quase bobo,mas, aos poucos, faz críticas absolutamente pertinentes sobre homofobia, mídia, pastores evangélicos e os padrões estéticos da sociedade.

Pena que, por ter apenas cinco episódios, a animação não aprofunda muito nessas questões, mas já passa sua mensagem positivista.

Um dos grandes arcos da animação envolve um grupo religioso extremista promovendo a "cura gay", que vai causar polêmica, vai incomodar muita gente - mas é hilário, principalmente pelo pastor ser a mais perfeita tradução de um certo Silas Salafrária.

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O Pastor homofóbico
O lado técnico do show também acerta, como por exemplo, vermos como os looks (e poderes) das protagonistas combinam com suas personalidades, mesmo o espectador percebendo muitas vezes que temos aqui uma inusitada paródia de outros desenhos famosos, como inspirações visuais em 'As Meninas Superpoderosas', 'Sailor Moon', 'Três Espiãs Demais' e até 'Power Rangers' — só que com uma temática nada infantil, é claro.

A ideia é simplesmente aproveitar o formato animado para criar cenas bem insanas e piadas para adultos - e nisso, a série acerta bastante,

Por sua vez, o roteiro afiado cai como uma luva para os dubladores.

No elenco de vozes brasileiras, Pabllo Vittar não só canta a música de abertura, “Highlight”, como dubla Goldiva, ícone LGBT que precisa da proteção das Super Drags, cujas vozes são feitas com maestria por Sérgio Cantú (Patrick), Fernando Mendonça, também criador e diretor da obra (Donizete) e Wagner Follare (Ralph).

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Pabllo Vittar é a voz de Goldiva
Há ainda a conhecida drag paulistana Silvetty Montilla brilhando e divertindo no papel de Vedete Champagne, a chefe à beira de um ataque de nervos das Super Drags, Rapha Vélez como Lady Elza e Guilherme Briggs como Robertinho - prato cheio para quem gosta da dublagem brasileira.

Silvetty Montilla é Vedete Champagne
Já a versão em inglês pode agradar bastante fãs de 'RuPaul’s Drag Race', já que traz as vozes de participantes famosas, como Ginger Minj, Shangela, Trixie Mattel e Willam Belli no elenco.

CONFIRA PABLO VITTAR EM 'HIGHLIGHT':


Os três protagonistas fazem ótimas performances, mas o destaque fica com Fernando Mendonça, bem confortável dando voz hilária para Scarlet, que certamente vai se tornar meme.

Apesar de ser uma série repleta de exageros, Super Drags não é só zoação.

É muito comum que produções sobre LGBT optem por, ou explorar a vivência de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais como fonte infinita de tragédia, ou ignorar os dramas característicos dessa realidade para produzir alívio cômico descontextualizado.

Super Drags chega no meio termo razoável que deveria ser regra, mas que ainda é exceção.

Após a apresentação dos personagens, cada episódio traz como pano de fundo algum tipo de lição de moral ligada à realidade LGBT: Patrick protagoniza um episódio sobre opressão estética; Ralph ilustra a perversa realidade de filhos que são expulsos de casa por conta de suas orientações sexuais e identidades de gênero.

Super Drags diverte, mas passa uma mensagem construtiva e, ao seu modo, educativa que vai além de sua proposta óbvia.

Além das esperadas piadas sobre o mundo LGBT, há também muito humor ligado à cultura pop no geral e ao mundo do entretenimento.

Nem a própria Netflix passa incólume ao “leque gongador”, uma das armas das drags: em um momento, as heroínas dizem que não viam tantos gays reunidos desde o “surubão contra o cancelamento de Sense8”, em outro há o questionamento se o grupo não foi parar no mundo invertido de 'Stranger Things'.

De fato, não há limites para as referências: durante os cinco capítulos, há homenagens que vão desde Orlando Drummond, imortalizado pelo personagem Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, até virais da internet como a grávida de Taubaté.

Enfim, é close, babado e confusão, para quem quer se distrair e rir com os amigos - sejam eles gays ou não.

Para uma produção experimental, 'Super Drags' deixa pouca coisa ou nada a desejar.

Aliás, deixa algo, sim, a desejar  - pelo público: uma segunda temporada, maior e mais encorpada.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
SUPER DRAGS - PRIMEIRA TEMPORADA
Gênero:
Animação
Direção/Criação/Showrunners:
Paulo Lescaut, Fernando Mendonça, Anderson Mahanski
Elenco de Vozes Originais:
Sérgio Cantú (Patrick), Fernando Mendonça (Donizete), Wagner Follare (Ralph), Silvetty Montilla (Vedete Champagne), Pabllo Vittar (Goldiva), Rapha Vélez (Lady Elza) e Guilherme Briggs (Robertinho)
Formato:
Cinco episódios
Duração: 
25 min.
Nacionalidade:
Brasil
Produção:
Combo Estúdio
Distribuição/Exibição:
Netflix
Ano de Produção:
2018
Estreia:
09.11.2018
Classificação Indicativa:
16 anos

COTAÇÃO DO KLAU:

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