Peter Seamus O’Toole nasceu em Connemara, Irlanda, em 2 de agosto de 1932.
Filho de mãe escocesa e pai irlandês, no início da Segunda Guerra Mundial ele foi estudar numa escola católica.
Veio dessa época o seu extremo horror a freiras - que o acompanharia por toda a vida:
"Eu costumava ter medo das freiras: toda sua negação a feminilidade - os vestidos pretos e raspar todo cabelo - foi tão horrível, era terrível", disse ele, diversas vezes.
Ainda adolescente, já boêmio e chegadíssimo num copo, Peter arrumou um emprego de estagiário como jornalista e fotógrafo, até que foi chamado para o serviço nacional, uma espécia de serviço civil correlato ao militar.
Sempre quis ser ator e em 1952, graças ao seu já imenso talento, conseguiu uma bolsa de estudos integral na Royal Academy of Dramatic Art (RADA) - a mais prestigiosa escola de arte dramática britânica.
Lá, tinha como colegas de classe nada menos que as igualmente lendas da interpretação - e igualmente bons de copo - Albert Finney, Alan Bates, Richard Burton e Brian Bedford - que sala de aula, hein?
Ainda na RADA, Peter começou a aparecer em pequenos papéis nos palcos de teatro, antes de fazer sua estreia na televisão - em 1954.
Ainda n a RADA, no início da carreira |
Sua primeira aparição nas telonas se deu em 1959, em um pequeno papel, seguido de alguns outros.
Sua sorte mudou em 1962: seu colega de classe Albert Finney e a lenda de Hollywood Marlon Brando recusaram o papel principal em uma super produção que seria dirigida pelo já aclamado cineasta britânico David Lean - ambos os atores tinham assumido outros compromissos.
Mas Finney insistiu com Lean que testasse O'Toole para o papel do protagonista, o herói britânico, militar, explorador, diplomata, escritor e arqueólogo Thomas Edward Lawrence - e o resto é história.
O longa era 'Lawrence da Arábia', que catapultou O'Toole definitivamente ao estrelato e o fez ficar conhecido mundo afora, Hollywood principalmente.
Em cena de 'Lawrence da Arábia', com Omar Sharif |
O argumento do filme baseia-se na biografia de T.E. Lawrence (1888-1935), descrita no seu livro 'Sete Pilares da Sabedoria' e explora principalmente a excentricidade e a personalidade enigmática de Lawrence.
Em 1916, em plena I Guerra Mundial, o jovem tenente do exército britânico estacionado no Cairo pede transferência para a península arábica, onde vem a ser oficial de ligação entre os rebeldes árabes e o exercito britânico, aliados contra os turcos, que desejavam anexar ao seu Império Otomano a península arábica.
Em foto promocional para 'Lawrence da Arábia' |
Lawrence, admirador confesso do deserto e do estilo de vida beduíno, oferece-se para ajudar os árabes a se libertarem dos turcos, com o longa mostrando quatro episódios principais da vida de Lawrence durante a sua estada na Arábia: a conquista de Aqaba; o seu rapto e tortura pelos turcos em Deraa; o massacre de Tafas; e o fim do sonho árabe de Damasco.
Peter contracenou com Omar Sharif, Sir Alec Guinness,Anthony Quinn, Claude Rains e Jack Hawkins, o longa acabou sendo sua porta de entrada para o público dos Estados Unidos e lhe rendeu a primeira das suas oito indicações para o Oscar de Melhor Ator.
'Lawrence da Arábia' levou todos os prêmios importantes da temporada - como os Oscars de melhor filme, melhor diretor, melhor edição, melhor direção de arte - a cores, melhor fotografia - a cores, melhor som e melhor trilha sonora e os Globos de Ouro de melhor fotografia colorida, melhor filme drama, melhor diretor, melhor ator coadjuvante (Omar Sharif) e ator novato mais promissor (Omar Sharif).
Infelizmente, a parada no Oscar de 1963 era difícil para Peter: ele concorreu à estatueta de Melhor Ator com nada menos que Burt Lancaster - por 'Birdman of Alcatraz'; Jack Lemmon - por 'Days of Wine and Roses'; Marcello Mastroianni - por 'Divírcio à Italiana' e Gregory Peck – por 'To Kill a Mockingbird', o grande ganhador.
O'Toole levou por 'Lawrence da Arábia', porém, o maior prêmio britânico - o Bafta de Melhor Ator.
Em cena de 'Lawrence da Arábia' |
A partir daí, o céu não foi o limite para Peter O'Toole: ele arrebentou como o Rei Henrique II da Inglaterra em 'Becket' (1964) e em 'O Leão do Inverno' (1968).
Ao lado de Katherine Hepburn, em cena de 'O Leão do Inverno' |
Sob direção de Sir Laurence Olivier, ele interpretou 'Hamlet' e é considerado até hoje um dos atores que mais se deram bem no difícil papel.
Em 1970, realizou o sonho de sua vida, quando subiu ao palco do Abbey Theatre da capital irlandesa, Dublin, para interpretar Samuel Beckett, ao lado Donal McCann.
Em 1972, ele interpretou Miguel de Cervantes em sua criação ficcional de Don Quixote em 'O Homem de La Mancha', uma adaptação cinematográfica do musical da Broadway de 1965, ao lado de Sophia Loren.
Com Sophia Loren, em cena de 'O Homem de la Mancha' |
Se o filme foi massacrado pela critica especializada e pelo público na época do lançamento, com o tempo ele se tornou um dos maiores sucessos de vendas - primeiro no formato de videocassete e depois, em DVD.
Em 1980, ele recebeu a aclamação da crítica ao interpretar o diretor no filme por trás das cenas de 'O Fugitivo'.
O'Toole ficou conhecido no meio artístico por ter sido um campeão de indicações ao Oscar, sem jamais ter levado uma estatueta dourada por seus trabalhos nas telonas.
Em 1964, sua segunda indicação foi por 'Becket' e seus concorrentes foram: Richard Burton – também por 'Becket'; Anthony Quinn - por 'Zorba, o Grego'; Peter Sellers - por 'Dr. Strangelove'.
Perdeu para Rex Harrison – por 'My Fair Lady'.
Com Richard Burton, em cena de 'Becket' |
Em 1968, sua terceira indicação foi por 'Leão do Inverno' e seus concorrentes foram: Alan Arkin – por 'The Heart Is a Lonely Hunter'; Alan Bates – por 'The Fixer' e Ron Moody – por 'Oliver!'
Perdeu para Cliff Robertson – por 'Charly'.
Em cena de 'Leão no Inverno' |
No ano seguinte, 1969, O'Toole foi indicado pela quarta vez - por 'Goodbye, Mr. Chips' - e seus concorrentes foram: Richard Burton – por 'Anne of the Thousand Days' e Dustin Hoffman e Jon Voight – por 'Midnight Cowboy'
Quem levou foi John Wayne – por 'True Grit'.
Em cena de 'Goodbye Mr. Chips' |
Sua quinta indicação veio em 1972 - por 'The Ruling Class'.
Concorreu com Michael Caine e Sir Laurence Olivier – por 'Sleuth'; com Paul Winfield – por 'Sounder', mas naquele ano não teve pra ninguém: o grande ganhador foi Marlon Brando - por 'O Poderoso Chefão'.
Em cena de 'The Ruling Class' |
Em 1978, 'The Stunt Man' lhe deu sua sexta indicação.
Concorrendo com Robert Duvall – por 'O Grande Santini'; John Hurt – por 'O Homem Elefante' e Jack Lemmon – por 'Tributo', a estatueta foi para Robert De Niro – por 'Raging Bull'.
Em cena de 'The Stund Man' |
Chegamos a 1982, e Peter consegue sua sétima indicação - por 'My Favorite Year'.
Concorrendo com Dustin Hoffman – por 'Tootsie'; Jack Lemmon – por 'Missing - Desaparecido' e Paul Newman – por 'O Veredicto', O'Toole viu Sir Ben Kingsley levar a estatueta dourada – por 'Gandhi'.
Em cena de 'My Favorite Year'
Finalmente, sua oitava e última indicação ao Oscar só veio em 2006 - por 'Venus'.
Concorrendo com Leonardo DiCaprio – por 'Diamante de Sangue', Ryan Gosling – por 'Half Nelson' e Will Smith – por 'Em Busca da Felicidade', aos 71 anos, O'Toole viu Forest Whitaker levar - por 'O Último Rei da Escócia'.
Em cena de 'Venus'
Com tantas indicações e sem nunca ter levado, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood finalmente homenageou Peter O'Toole em 2003 com um Oscar Honorário.
Aclamado pelos jornalistas, após receber seu Oscar Honorário (2003) |
O'Toole ganhou um prêmio Emmy por seu papel na mini-série 'Joana D'Arc' (1999) e, mais recentemente, co-estrelou com sua magnífica voz a animação 'Ratatouille' (2007), da Pixar, sobre um rato que tem o sonho de se tornar o maior cozinheiro de Paris - O'Toole fez a voz de Anton Ego, um crítico gastronômico.
O diretor Brad Bird instrui O'Toole na dublagem de 'Ratatouille' (2007), da Pixar, onde ele fez a voz do crítico gastronômico Anton Ego (direita) |
Peter casou-se em 1959 com a atriz galesa Siân Phillips, com quem teve duas filhas: Annette e Patricia - eles se divorciaram em 1979.
Sua filha Annette O'Toole, por sinal, é uma grande atriz, com excelentes trabalhos em '48 Horas' (1982), 'Superman III' (1983) e as séries de TV 'The Mod Squad' (1971), 'Família Dó-Re-Mi (1971), e mais recentemente, 'Smallville' (2001/2011), onde interpretou a mãe de Clark Kent, Martha.
A Atriz Anette O'Toole |
Peter quase morreu em 1970, devido ao alcoolismo, à vida boêmia e também por ser portador de um defeito digestivo congênito.
Com sua saúde se deteriorando, ele teve de passar por uma cirurgia em 1976 para ter seu pâncreas e grande parte do estômago removido devido ao câncer e, como consequência, ficou dependente da insulina.
Em 1978 ele quase morreu novamente de uma doença no sangue, mas se recuperou e voltou a trabalhar, mesmo achando ser mais difícil conseguir peças em filmes - o que o levou a aceitar mais trabalho na TV e, ocasionalmente, nos palcos.
Mesmo assim, ele não pode recusar o convite do diretor Bernardo Bertolucci e apareceu muito bem em 'O Último Imperador' (1987), sua última grande atuação nas telonas.
Em cena de 'O Último Imperador' |
Se no auge de sua carreira manteve casas em Dublin, Londres e Paris, Peter tinha agora apenas sua casa em Londres.
Enquanto estudava na RADA, ele foi um dos mais conhecidos ativistas, nos protestos contra os britânicos que também tinham se envolvido na Guerra da Coreia.
Mais tarde, na década de 1960, ele atuou na Europa e EUA contra o envolvimento britânico/americano na Guerra do Vietnã.
Na década de 80 |
Apesar de ter perdido a fé na religião quando adolescente, O'Toole manifestou recentemente sentimentos positivos em relação à vida de Jesus Cristo.
Em uma entrevista para o 'The New York Times', ele disse:
"Ninguém pode levar Jesus para longe de mim ... não há nenhuma dúvida de que houve uma figura histórica de grande importância..."
Em julho de 2011, Peter havia informado que não iria mais atuar.
"O coração disso [ser ator] saiu de mim", disse em carta aberta.
Porém, rumores garantiam que ator estava no elenco de 'Mary', filme em pré-produção e previsto para estrear em 2014.
Pena que não deu tempo de vermos mais uma fantástica performance de um dos maiores atores de todos os tempos: Peter O'Toole morreu ontem, aos 81 anos, em Londres.
A família não informou o motivo da morte - a única informação sobre seu falecimento veio de seu agente, Steve Kenis, que informou que o ator "estava muito doente".
Segundo Kenis, Peter morreu devido a um câncer de estômago e estava há dias internado no hospital Wellington, em Londres.
"Era único no melhor sentido da palavra e um gigante em sua especialidade", disse Kenis, em comunicado oficial.
Richard Harris, Albert Finney e Richard Burton, todos formados pela London's Royal Academy of Dramatic Art com Peter e todos chegados num copo, já foram.
Se existir um céu, hoje com certeza vai ter festa.
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Imagens dessa postagem:
Fox, Metro, Financial Times, The Academy Awards, Metro UK, Arquivos do Klau, Paramount Pictures, Warner
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