Joan Fontaine era o nome artístico de Joan de Beauvoir de Havilland e, ao contrário do que muitos pensam, não nasceu na Inglaterra, e, sim, em Tóquio,Japão, em 22 de outubro de 1917.
Num mundo cinematográfico marcado pela injustiça máxima ao mestre do suspense Alfred Hitchcock - que nunca recebeu um Oscar na carreira - Joan foi a única atriz que conseguiu levar um Oscar de Melhor Atriz por uma performance em filmes do diretor: 'Suspeita' (1941).
Foi indicada ainda por outro longa do diretor - o que a catapultou ao estrelato - 'Rebecca, a Mulher Inesquecível' (1940) - mas perdeu para Ginger Rogers - por ' Kitty Foyle'.
Filha caçula da também atriz Lillian Fontaine, ela é a irmã mais nova da bicampeã de prêmios Oscar e Globo de Ouro, Olivia de Havilland, a eterna Mellanie do clássico dos clássicos '...e o Vento Levou' (1939).
Seu pai era um advogado de patentes inglês que trabalhava no Japão, e sua mãe era uma atriz, também de nacionalidade inglesa, que atuava no teatro - eles se casaram em 1914 e se divorciaram em 1919.
Joan e a Irmã, Olivia, em foto dos anos 30 |
Quando bebê, Joan sofreu de uma anemia, e, por indicação médica, a família mudou-se para os Estados Unidos, onde se estabeleceram na cidade de Saratoga, estado da Califórnia.
A saúde da pequenina Joan melhorou logo depois que a família emigrou, mas o pai teve de voltar ao trabalho no Japão, e o casamento dos seus pais acabou.
Embora tivesse deixado a profissão de atriz para se dedicar à educação das filhas, sua mãe ainda assim não deixou de valorizar as artes: sempre lia Shakespeare para elas e lhes ensinava dicção e impostação de voz.
Em 1925, as meninas "ganharam" um padrasto - George M. Fontaine, dono de uma loja de departamentos.
Foi do sobrenome dele que anos mais tarde Joan tiraria seu nome artístico.
Joan e Olivia estudaram na Los Gatos High School e na Notre Dame Convent Roman Catholic Girls School em Belmont, Califórnia.
Aos 15 anos, ela voltou ao Japão onde viveu com seu pai durante dois anos e, quando voltou aos Estado Unidos, seguiu os passos de sua irmã e começou a aparecer em filmes.
Era setembro de 1934 e Joan foi apresentada à atriz May Robson, iniciando a seguir sua carreira com a peça "Kind Lady" e, logo depois, com sua participação em "Call it a Day".
Foi durante uma das apresentações dessa peça no Duffy Theatre, em Hollywood, que ela foi vista pelo produtor Jesse Lasky, que imediatamente a contratou para o elenco da RKO Pictures.
Sua estreia nas telonas foi em 1935, com uma pequena participação no filme "No More Ladies", estrelado por Joan Crawford - mais tarde ela estrearia na Broadway - em "Forty Carats".
Também foi selecionada para aparecer no primeiro filme de Fred Astaire sem Ginger Rogers pela RKO: 'Cativa e Cativante'/A Damsel in Distress' (1937), mas o filme foi um fracasso.
Continuou aparecendo em pequenos papéis numa dúzia de filmes, mas não conseguiu deixar uma forte impressão, e seu contrato não foi renovado quando terminou, em 1939.
Sua sorte mudou na noite de uma festa na casa de Charlie Chaplin, onde jantava sentada ao lado do mega produtor David O. Selznick.
Ela e Selznick começaram a discutir sobre a novela de Daphne du Maurier, 'Rebecca' - um sucesso literário absurdo à época - e o produtor a convidou para fazer um teste para a versão cinematográfica do romance, que seria dirigida por um aclamado diretor inglês que com essa obra faria sua estreia em Hollywood - Alfred Hitchcock.
No Brasil, o longa recebeu o título de 'Rebecca, a Mulher Inesquecível'.
Confira o teste de Joan Fontaine para 'Rebecca':
Joan teve de enfrentar uma maratona de testes para o filme durante seis meses, junto a centenas de outras atrizes - entre elas Vivien Leigh e Anne Baxter - antes de finalmente ser escolhida para o papel.
Em 1940, o filme foi lançado com absurdo sucesso de crítica e público e, por sua performance, Fontaine foi indicada ao Oscar de melhor atriz, embora não tenha vencido - naquele ano, Ginger Rogers, por 'Kitty Foyle', levou.
Confira o trailer original de 'Rebecca':
Joan Fontaine voltou a ser dirigida por Hitchcock no ano seguinte - em 'Suspeita' (1941) - e tornou-se, junto com Madeleine Carroll, Ingrid Bergman, Grace Kelly, Vera Miles e Tippi Hendren, uma das cinco atrizes que estrelaram mais de um filme do mestre do suspense.
Pelo desempenho em 'Suspeita', Fontaine foi novamente indicada ao Oscar de melhor atriz, concorrendo com, entre outras, Bette Davis e sua irmã Olivia de Havilland - que foi indicada pela atuação em 'A porta de Ouro/Hold Back the Dawn' (1941) e considerada a franca favorita dos jurados da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Na última hora, porém, quem levou a estatueta dourada do ano foi Joan, e não Olivia.
Joan segura seu Oscar de Melhor Atriz, por 'Suspeita' (1941) |
O crítico Rubens Ewald Filho explicou recentemente:
"Joan Fontaine foi premiada com o Oscar por sua atuação em 'Suspeita', mas foi uma espécie de 'prêmio de consolação' por ela não ter levado a estatueta pelo papel em 'Rebecca', também do mesmo Alfred Hitchcock, que a tinha transformado em estrela. [...] Mas ela realmente funciona em papéis de vítima, como a mulher apaixonada, frágil e desorientada que não sabe como lidar com a suspeita de que o marido (Cary Grant) seja um assassino [...]".
A irmã Olivia de Havilland não escondeu na cerimônia de premiação sua decepção em relação à perda.
A vitória de Joan Fontaine deixou surpresos muitos, que esperavam que a grande vencedora fosse De Havilland, e até mesmo a própria Fontaine confessou que não esperava que acabasse se saindo a vencedora.
Dessa forma, a atriz tornou-se a única a ganhar um Oscar de atuação por um filme dirigido por Alfred Hitchcock - em 1961, Janet Leigh seria indicada ao Oscar de melhor atriz (coadjuvante/secundária) pela sua atuação como Marion no filme Psicose ("Psycho", 1960), mas não levou.
Desde essa noite do Oscar, Olivia, sempre invejosa, nunca mais foi a mesma com Joan, que continuou a fazer sucesso ao longo da década de 1940, destacando-se mais em filmes românticos.
Em foto de 1945 |
Entre seus trabalhos memoráveis durante este tempo também estão 'De amor também se morre/The Constant Nymph' (1943) - pelo qual recebeu sua terceira e última indicação ao Oscar - 'Jane Eyre' (1944), 'Ivy, a História de Uma Mulher/'Ivy' (1947), e 'Carta de uma desconhecida/Letter from an Unknown Woman' (1948).
No cinema, Joan contracenou com sua mãe, Lillian Fontaine, em duas ocasiões: em 1947, em 'Ivy' e em 1953, em 'O Bígamo/The Bigamist'.
Em cena de 'O Bígamo/The Bigamist' |
Em meados dos anos 50, quando seu sucesso no cinema diminuiu um pouco, ela passou a trabalhar mais em teatro e também na televisão - onde participou de inúmeros episódios de séries de sucesso.
Em 1954, atuou na Broadway, ao lado de Anthony Perkins, na peça 'Chá e Simpatia', que foi um sucesso estrondoso e lhe rendeu vários elogios.
Em cena de 'Chá e Simpatia', com Anthony Perkins |
Em 1956, ela apareceu com Eduard Franz na antológica série da NBC "The Joseph Cotten Show" e apareceu como ela mesma, em 1957, no sitcom da CBS "Mr. Adams and Eve", estrelado por Howard Duff e Ida Lupino.
Nos anos 60, continuou a fazer sucesso na Broadway com diversas peças - entre as quais "Dial M for Murder", "Private Lives", "Cactus Flower" e uma produção austríaca de "The Lion in Winter".
Nessa mesma década, começou a investir em frutas cítricas, fazendas de gado, petróleo e imóveis e se tornou presidente da Oakhurst Enterprises, empresa baseada na Califórnia e formada exclusivamente para gerir suas diversas empresas.
Tirou brevê de piloto, foi campeã de balonismo, fez decoração de interiores como profissional, ganhou prêmio em torneio de pesca e ainda ganhou um título de 'Cordon Bleu' em culinária.
Fontaine fez uma participação na sitcom da ABC "The Bing Crosby Show", na temporada 1964 - 1965.
Com Bing Crosby, em seu show de TV |
Seu último trabalho no cinema foi no filme 'Bruxa - A face do demônio/The Witches' (1966), que também co-produziu.
Em cena do seu último trabalho: 'Bruxa - A face do demônio/The Witches' (1966) |
Ainda atuando na TV nas décadas de 1970 e 1980, foi nomeada para um Emmy pela atuação na série "Ryan's Hope", em 1980.
Em foto de 13.4.1978 |
Sua autobiografia, "No Bed of Roses", foi publicada em 1978 e seu último trabalho creditado foi em 1994 - no filme para a TV "Good King Wenceslas".
Das duas irmãs, Olivia foi a primeira a se tornar atriz.
Quando Joan tentou seguir a mesma profissão, sua mãe, que supostamente favoreceu Olivia, se recusou a deixá-la usar o nome da família e, assim Joan se viu obrigada a inventar um nome - primeiro, Joan Burfield, e posteriormente, Joan Fontaine.
Segundo o biógrafo Charles Higham em seu livro 'Sisters: The Story of Olivia De Haviland and Joan Fontaine', as irmãs sempre tiveram uma relação difícil, começando na infância, quando Olivia teria rasgado uma roupa de Joan, forçando-a a costurá-la novamente.
A rivalidade e o ressentimento entre as irmãs também vinha pelo fato de Joan saber que Olivia era a filha favorita de sua mãe.
Com a mãe, Lilian |
Quanto à fatídica noite do Oscar de 1941, o biógrafo Charles Higham descreveu os eventos da cerimônia de premiação:
" Joan avançou empolgada para receber seu prêmio e claramente rejeitou as tentativas de Olivia cumprimentá-la - e esta acabou ofendidissima".
Higham também afirmou que, depois, Joan sentiu-se culpada pelo que ocorreu na cerimônia.
Anos mais tarde (1947) seria a vez de Olivia de Havilland ganhar o Oscar de Melhor Atriz, pela atuação em 'Só resta uma lágrima/To Each His Own' (1946).
Segundo o biógrafo, na cerimônia de premiação Joan fez um comentário sobre o então marido de Olivia, que ficou ofendida e não quis receber os cumprimentos de sua irmã por este motivo - até então, ao menos publicamente, as duas ainda apareciam juntas.
A relação entre as irmãs continuou a deteriorar-se após os dois incidentes e, já em 1975, aconteceria algo que faria com que elas deixassem de se falar definitivamente.
Segundo Joan, Olivia não a convidou para um serviço memorial em homenagem à sua mãe, que havia morrido recentemente e que morava com Olivia em Londres.
Mais tarde, Olivia afirmou que tentou comunicar-se com Joan - que continuou morando na Califórnia - via telefone, mas ela teria mandado dizer via assessora que "estava muito ocupada para atendê-la".
Charles Higham também diz que Joan tinha um relacionamento distante com suas próprias filhas, justamente porquê descobriu que elas visitavam sempre Tia Olivia quando estavam em Londres.
As duas irmãs, em imagem dos anos 70 |
Até hoje, as irmãs se recusavam a comentar publicamente sobre a sua rivalidade e relacionamento familiar, apesar de Fontaine ter comentado em uma entrevista que muitos boatos a respeito das irmãs surgiram dos "cães de publicidade" do estúdio.
Olivia continua viva, morando em Londres.
Já Joan Fontaine morreu nessa madrugada, serena, na cidade de Carmel-by-the-Sea, Califórnia, onde morava, aos 96 anos.
Muitos dos filmes dessa estupenda atriz estão postados, na íntegra, no YouTube - inclusive 'Rebecca' - e valem muito a pena serem vistos.
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Fotos dessa postagem:
AP, Acervo revista SET, IMdB, The Academy Awards, Paris Match, NBC, Time & Life Images, ABC Files e Arquivos do Klau
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