sexta-feira, 27 de setembro de 2013

'O TEMPO E O VENTO': MUITO ACELERADO, LONGA NÃO CONSEGUE CONTAR UMA DAS MAIS LINDAS HISTÓRIAS DA LITERATURA BRASILEIRA


Para mim, a saga literária de Érico Veríssimo sobre as muitas gerações de duas famílias marcadas por romances, tragédias e enfrentamentos nos campos de batalha do Rio Grande do Sul é ainda hoje uma das melhores obras escritas em língua portuguesa, disparado - tanto que eu já o li e reli incontáveis vezes.

Resumir 150 anos de história em duas horas de filme e não ser superficial ou apressado requer a habilidade de jogar com o tempo, tarefa que, infelizmente, o diretor Jayme Monjardim não conseguiu demonstrar em 'O Tempo e o Vento' - que está em exibição em 178 salas em todo o Brasil -  nem chegando perto da competência que sempre consegue demonstrar nos seus trabalhos para a TV.

O filme corre mais que o Papa-Léguas do Coyote, principalmente em sua primeira metade, mantendo o espectador à distância, sem mergulhar na obra e só observando um suceder de tramas sem muita contextualização.

Apesar de uma reconstituição de época impecável, da bela fotografia - do veterano Affonso Beato - e dos esforços para tentar alcançar uma dimensão épica condizente com o enredo, o diretor, com mão pesada, quase põe tudo a perder.

Thiago Lacerda é o capitão Rodrigo - fotos dessa postagem: Divulgação/Globo Filmes

Como em 'Olga' - primeiro e até então seu único longa - Monjardim  abusa da trilha sonora edificante, tentando arrancar impressões e sentimentos do espectador à força, já que as emoções não surgem naturalmente da dramatização sempre levada a toque de caixa.

A narrativa é conduzida pela velha Bibiana (Fernanda Montenegro, pra variar, ótima) já em seus últimos momentos de vida.
Sitiada num casarão sob o cerco dos inimigos, conta a história da formação da família Terra-Cambará e sua relação de ódio com os Amaral.

Fernanda Montenegro, como Bibiana velha

Felizmente, o longa só deixa de ser trailer e vira obra cinematográfica quando começa a narrar a chegada do capitão Rodrigo Cambará (Thiago Lacerda, muito bem no papel do valente e garboso capitão) a Santa Fé, onde conhece Bibiana jovem (Marjorie Estiano, sen-sa-cio-nal) e logo se apaixona.

Infelizmente, Monjardim quis fazer uma homenagem à minissérie de 1985 (veja abaixo), escalando a mais que sofrível Cléo Pires como Ana Terra, avó de Bibiana - Glória Pires, mãe de Cléo, fez o papel na minissérie, com raro brilho - a partir daí, sua carreira deslanchou de vez.

Se Lacerda é um canastrão que quando bem dirigido rende muito, Cléo não tem salvação: é má atriz mesmo e consegue destoar totalmente do padrão de excelência do resto do elenco, simplesmente primoroso.

Cléo Pires como Ana Terra

Mesmo como seus inúmeros problemas, esse épico não é um filme ruim: tanto capricho, até excessivo, com luz, paisagens e pores do sol lindos e redundantes chocam-se com deficiências evidentes, onde só cena final, muito bem feita, de Bibiana descendo as escadas do casarão e rejuvenescendo a cada lance até encontrar seu grande amor Rodrigo e, finalmente, poder viver em paz a seu lado na eternidade, nos remete ao livro de Veríssimo.

Neste momento, se o arco dramático do filme tivesse sido bem construído, era para estarmos soluçando, contendo o choro - mas as lágrimas não vêm e a emoção reluta a aparecer, justamente pelos deslizes que foram vistos antes.

Marjorie Estiano como Bibiana jovem

Só nos resta aguardarmos mais material inédito e nova edição, na minissérie que será exibida pela Globo daqui a alguns meses - o longa vai fazer o caminho inverso de 'O Auto da Compadecida', que foi originalmente produzido como minissérie e depois virou filme.

Lembrando que a minissérie produzida e exibida pela Globo entre 22 de abril e 31 de maio de 1985 - com roteiro de Doc Comparato e dirigida pelo trio Paulo José, Denise Saraceni e Walter Campos - teve 25 capítulos, suficientes para mostrar cada nuance da obra.

Se a minissérie de 1985 é considerada até hoje um dos mais marcantes trabalhos da tele dramaturgia brasileira, tomara que a nova minissérie consiga o mesmo pois, aqui, se Monjardim tivesse se concentrado desde o início na história de amor de Bibiana e Rodrigo e deixado todo o resto em segundo plano, como fundamento para a trama romântica, talvez tivéssemos um grande filme.

Não é o caso e o cinema brasileiro ainda sofre - e muito - pela falta de objetividade narrativa.

O longa foi lançado na semana passada só no Rio Grande do Sul e os guris e as prendas compareceram em peso aos cinemas - tanto que ele foi parar no Top 10 Brasil dessa semana num honroso quinto lugar.


Confira o trailer do filme:


*****
'O TEMPO E O VENTO'
Gênero:
Drama
Direção:
Jayme Monjardim
Roteiro:
Letícia Wierzchowski, Marcelo Ruas, Tabajara Ruas, baseados na obra 'O Continente', de Érico Veríssimo
Elenco:
Cléo Pires, Danny Gris, Fernanda Montenegro, Janaína Kremer, José de Abreu, Leonardo Machado, Leonardo Medeiros, Luiz Carlos Vasconcelos, Luiza Ollé, Marjorie Estiano, Mayana Moura, Paulo Goulart, Rafael Tombini, Suzana Pires, Thiago Lacerda
Produção:
Rita Buzzar
Fotografia:
Affonso Beato
Duração:
127 min.
Ano:
2012
País:
Brasil
Cor:
Colorido
Estreia no Brasil:
20/09/2013
Distribuidora:
Downtown Filmes / Paris Filmes
Estúdio:
Globo Filmes
Classificação:
14 anos
Cotação do Klau:

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