SINOPSE:
Hebe Camargo (Andréa Beltrão) se consagrou como uma das apresentadoras mais emblemáticas da televisão brasileira.
Sua carreira passou por diversas mudanças ao longo dos anos, mas foi durante a década de 80, no período de transição da ditadura para a democracia, que Hebe, ao 60 anos, tomou uma decisão importante.
A apresentadora passou a controlar a própria carreira e, independentemente das críticas machistas, do marido ciumento e dos chefes poderosos, se revelou para o público como uma mulher extraordinária, capaz de superar qualquer crise pessoal ou profissional.
CRÍTICA:
Nessa semana que antecedeu o aguardado lançamento do longa Hebe - A Estrela do Brasil, o filho único da apresentadora, Marcelo, veio a público para dizem em alto, claro e bom som, que ele não reconhece a mãe na Hebe que vemos no filme.
Duas situações irritaram Marcelo profundamente: no longa, Hebe sempre aparece bebendo uísque no camarim - ela detestava a bebida, e nunca bebia antes de apresentar seu programa - e em uma cena, se atrasa para entrar no palco - Hebe tinha profundo respeito pelo seu público, principalmente da plateia e nunca se atrasou um segundo sequer para entrar em cena.
E como eu convivi com a estrela justamente no período temporal retratado no filme, também posso atestar: se o musical, visto recentemente nos palcos, trazia Hebe em toda sua exuberância e brilho, o filme nos mostra uma mulher completamente distinta daquela com quem convivi e com o qual o público vibrava.
Sempre exuberante e muito autêntica, Hebe Camargo foi uma mulher à frente de seu tempo em muito aspectos.
Na memória do público, a apresentadora de TV mais querida do Brasil ficou marcada como uma mulher carismática e de sorriso largo, que distribuía selinhos e apelidos carinhosos - como o famoso "Gracinha".
Com roteiro assinado por Carolina Kotscho e direção de Maurício Farias, o longa foca o lado B da vida da estrela e seus conflitos pessoais por trás das câmeras.
Ambientado nos anos 80, década marcada pela censura no período final da ditadura militar, vemos um período complicado também na vida pessoal de Hebe.
Então diretor na Band, Walter Clark começou a gravar seu programa, que até então era levado ao ar, ao vivo, todo domingo à noite, diretamente do saudoso Teatro Bandeirantes, na Avenida brigadeiro Luis Antonio, no centro de São Paulo, numa vã tentativa de censurar o pensamento e as palavras da estrela.
Hebe não aceitou a censura interna, pediu demissão da Band e meses depois, estreava espetacularmente seu programa nas segundas-feiras do SBT, onde permaneceu por décadas, sempre com muito sucesso.
Nessa mesma época, Hebe viveu o divórcio conturbado de seu então marido, Lélio Ravagnani e até mesmo um processo da ditadura, que quase levou a apresentadora para a prisão.
Depois, eles ainda reataram e viveram juntos por mais um tempo.
Se tudo isso é novidade para o público, já que em frente às câmeras, Hebe era sempre alto-astral e glamurosa, não o é para quem a conhecia bem como eu - daí o estranhamento.
Como trabalho de atriz, Andréa Beltrão entrega um de seus melhores trabalhos no cinema nacional, evitando a perfeição que beira o caricato, trazendo leveza e confiança em sua atuação, algo difícil em cinebiografias de personalidades tão populares.
Ela cria sua própria Hebe, claro, respeitando trejeitos e manias como o piscar de olhos frenético e a risada inconfundível.
A atriz chegou a comentar em algumas entrevistas que foi um choque receber o convite já que não se parece fisicamente com a apresentadora.
No entanto, o que vemos em tela é segurança e o resultado de um intenso laboratório feito por ela durante a produção do longa.
É a Hebe dela, enfim - e não a nossa Hebe.
Na direção vemos uma dinâmica única para um filme do gênero.
Divertida e dramática, a produção cria uma atmosfera confortável ao espectador, mesmo que este não tenha acompanhado de perto o trabalho da apresentadora.
É um longa imersivo e profundo, que apesar de apresentar polêmicas ásperas sobre política, preconceito e violência doméstica, ainda mantém a sensibilidade para nos lembrar que Hebe era mulher, mãe e esposa antes de ser uma estrela da TV.
A roteirista teve base na vivência da apresentadora nos anos 80 usando documentos, fotos e relatos de Claudio Pessutti, sobrinho e ex-empresário de Hebe que a acompanhou durante longos anos.
Por isso, Carolina não recriou uma Hebe em seu roteiro, mas trouxe à tona a sua versão da mulher que conhecemos.
Mesmo trazendo clima nostálgico, o longa se tornou atual nesse período de polarização que vivemos no Brasil, oferecendo ao trabalho e aos ganchos mais diretos do roteiro para destacar as críticas sociais que a apresentadora fazia em seus programas e em entrevistas.
Uma de suas frases mais marcantes - "A Hebe não é de direita, a Hebe não é de esquerda, a Hebe é direta" - é destacada já no trailer e retrata bem o lado feminista, empoderado e independente que Hebe manteve durante sua vida.
Mesmo que apresente suas inseguranças, o filme acerta ao não deixar que o drama engula o lado forte da apresentadora, principalmente quando os conflitos com o ex-marido Lélio - vivido pelo ator Marco Ricca - potencializam a crítica à violência doméstica.
Outro ponto alto de seu empoderamento é quando ela, no auge de sua carreira, exige um salário maior no SBT, o que Silvio Santos paga sem pestanejar.
Além de mesclar o humor e o drama, o longa é uma homenagem à mulher que nunca desistiu de lutar por aquilo que acreditava e que, sempre ao vivo - falava sobre as injustiças sociais e os direitos da população brasileira.
E no final, quando sobem os créditos, é impossível não pensarmos sobre como seria se ainda tivéssemos a estrela, segurando um microfone e falando para as câmeras tudo aquilo que pensava.
Coitado do Bolsonaro...
Quem sabe a minissérie - feita a partir do filme e com muitas outras cenas inéditas - traga um pouco da Hebe que conheci.
Estreia ano que vem na Globo - e eu fico no aguardo.
GALERIA DE IMAGENS:
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
HEBE - A ESTRELA DO BRASIL
Gênero:
Biografia
Direção:
Maurício Farias
Elenco Principal:
Andréa Beltrão, Caio Horowicz, Daniel Boaventura, Danton Mello, Gabriel Braga Nunes, Marco Ricca
Roteiro:
Carolina Kotscho
Produção:
Carolina Kotscho, Clara Ramos, Claudio Pessutti, Fernando Nogueira, Heloisa Jinsenji, Lucas Pacheco, Renato Klarnet
Fotografia:
Inti Briones
Estúdio:
Loma Filmes, Globo Filmes
Distribuidora:
Warner
Estréia:
26.9.2019
Ano de Produção:
2019
Duração:
120 min.
Classificação Indicativa:
14 anos
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