A Humanidade foi mais feliz ontem: o ativista chinês pró-democracia Liu Xiaobo, 54, sobrevivente do massacre da praça da Paz Celestial e condenado recentemente a 11 anos de prisão, levou o Prêmio Nobel da Paz - o mais importante prêmio do mundo.
Imediatamente, a ditadura de Pequim rebateu: criticou duramente a escolha, censurou a notícia no país e ameaçou a Noruega com retaliações.
Liu Xiaobo - pronuncia-se "Xiaobô" - recebeu o prêmio por "sua luta longa e não violenta em favor dos direitos humanos fundamentais na China", afirmou o Comitê Nobel Norueguês, indicado pelo Parlamento desse país.
Para o comitê, os recentes avanços econômicos transformaram a China na segunda economia mundial e "tiraram milhares de pessoas da pobreza", mas esse novo status do país "deve incluir maior responsabilidade".
Professor de literatura, Liu foi preso em dezembro de 2008, dias antes da divulgação da Carta 08, assinada por 303 ativistas que defendiam reformas democráticas, incluindo o fim do monopólio do Partido Comunista.
Em dezembro do ano passado, foi condenado a 11 anos de prisão por "atuar para subverter o governo", a pena mais alta aplicada a um dissidente nos últimos anos.
O comitê afirmou que, ao receber punição tão severa, "Liu se tornou o principal símbolo da ampla luta por direitos humanos na China".
Não é a primeira vez que o Nobel da Paz vai para um opositor do regime comunista chinês. Em 1989, ano do massacre da praça da Paz Celestial, o nomeado foi o líder tibetano no exílio, Dalai-Lama, que ontem exortou Pequim a soltar o dissidente.
Liu é o terceiro Nobel da Paz nomeado enquanto cumpre pena dada por seu próprio governo; antes, tivemos o líder oposicionista de Mianmar Aung San Suu Kyi - em 1991 - e o ativista alemão Carl von Ossietzky - 1935.
Liu tem direito a R$ 2,5 milhões, a um diploma e a uma medalha, e ontem ainda não sabia que recebeu o Nobel da Paz de 2010.
Ele está incomunicável na prisão de Jinzhou - a 500 km de Pequim - , onde cumpre pena.
Segundo seus advogados, Liu precisará aguardar a visita da sua mulher, que deve ocorrer hoje.
Como esperado, a ditadura chinesa reagiu duramente ao anúncio.
"Conceder o Nobel da Paz maculou o prêmio e pode afetar os laços entre China e Noruega", disse o porta-voz da Chancelaria chinesa Ma Zhaoxu, em nota, afirmando ainda que o Nobel da Paz deveria ser concedido a pessoas que "contribuem para a harmonia nacional, para a amizade entre países, para o avanço do desarmamento e para a convocação de conferências de paz", repetindo as diretrizes de Alfred Nobel - criador do prêmio.
Logo após a anúncio em Oslo, o embaixador da Noruega em Pequim foi convocado pela Chancelaria chinesa para "dar explicações".
Em junho, quando o ativista chinês já despontava como favorito ao prêmio, a vice-chanceler chinesa Fu Jing pediu um encontro com o diretor do Instituto Nobel, Geir Lundestad, para lhe advertir de que a nomeação seria considerada "uma ação hostil".
Nada mais ditatorial do que pressionar entidades democráticas nos bastidores.
Nobel da Paz em 2009, o presidente norte-americano, Barack Obama, em nota, elogiou a nomeação de Liu Xiaobo e exortou Pequim a libertá-lo "o mais rápido possível".
Como o comitê do Nobel, Obama elogiou o progresso socioeconômico chinês, mas disse que "não ocorreram as reformas políticas".
Foto: AP
Manifestantes pedem a libertação do dissidente, ontem em Pequim
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QUEM É O AGRACIADO
O Nobel consagrou Liu como o mais importante dissidente chinês, mas ele incomoda a maior ditadura do mundo desde 1989, ao aderir ao movimento pró-democracia.
Nascido em 28 de dezembro de 1955, na cidade de Changchun, Liu se formou crítico literário e professor universitário.
Em 1986, alcançou fama na área com uma análise pungente da literatura moderna chinesa, e foi atuar como professor convidado na Noruega e nos EUA entre 1988 e 1989.
Na volta a Pequim, Liu se uniu aos estudantes que protestavam pela democracia, e após o massacre da praça da Paz Celestial, ficou preso por 21 meses.
Liu ajudou a escrever a Carta 08, um manifesto de 303 intelectuais e dissidentes pela liberdade de expressão, de religião e a abertura democrática.
Em 2009, após um julgamento sem direito de resposta, foi sentenciado a 11 anos de prisão por subversão do poder, e a Carta 08 foi citada como prova.
Liu tenta escapar da censura pela internet, onde publica seus artigos.
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DITADURA É ASSIM MESMO
A ditadura chinesa montou uma operação sem precedentes para tentar bloquear a notícia de que um preso político do país havia sido o vencedor do prêmio mais prestigiado do mundo.
Logo após o anúncio, por volta das 17h em Pequim, os sites Baidu, o mais popular da China, e Google não aceitavam a busca com o nome de Liu Xiaobo, "Prêmio Nobel" ou "Prêmio da Paz".
Aparecia mensagem dizendo que a pesquisa contrariava "a lei e o regulamento".
Em sites de notícias, só havia declarações da Chancelaria chinesa.
Segundo relatos, até telefones celulares foram impedidos de enviar mensagens de texto com o nome do dissidente.
No Twitter, que é bloqueado na China mas pode ser usado via VPN - rede privada virtual de internet - do exterior, surgiram relatos de que internautas teriam sido presos em Pequim e Xangai após elogiarem o Nobel.
Na CNN e na BBC, acessíveis por serviços de cabo disponíveis principalmente em condomínios de luxo, o sinal era cortado durante reportagens sobre a nomeação.
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A IMPORTÂNCIA DO NOBEL DA PAZ A LIU XIAOBO
Não há prova mais cabal do acerto da escolha do Comitê do Nobel para o laureado com seu prêmio da Paz deste ano do que o fato de o agraciado ainda não saber que recebeu a honraria.
Liu Xiaobo está preso por ter organizado, há dois anos, um manifesto em que intelectuais e ativistas reivindicavam reformas políticas abrangentes no país, e desde então, não tem nenhum contato com o mundo exterior, à exceção das visitas mensais de sua mulher.
Foi condenado a 11 anos de prisão pelo crime de promover campanhas em prol de liberdades políticas no país, onde vigora uma sanguinária ditadura de partido único, que não tolera oposição e reprime a liberdade de expressão.
A Dui Hua Foundation, organização não governamental baseada nos EUA, estima em quase 22 mil o número atual de presos políticos na China.
O país, porém, tem se valido de sua crescente relevância econômica para amenizar as pressões internacionais pela abertura política.
Com a economia norte-americana presa numa relação de interdependência com a chinesa, o ganhador do Nobel da Paz do ano passado, o presidente Barack Obama, conduz uma diplomacia pragmática em relação ao país asiático, na qual não cabem restrições a violações dos direitos humanos.
Sua secretária de Estado, Hillary Clinton, chegou a afirmar que "nossa pressão nessas questões [relativas aos direitos humanos] não pode interferir na crise financeira global, na mudança climática e nas crises de segurança" -considerados os assuntos prioritários no diálogo EUA-China.
Após o prêmio a Liu, Obama sinalizou uma mudança de tom, ao dizer que a abertura política na China não caminha na mesma velocidade que a econômica.
Outros países reforçaram os apelos para que o país liberte Liu. O governo chinês respondeu classificando a escolha como uma "blasfêmia".
Talvez a decisão sirva para lembrar ao mundo que em alguns casos pode-se ir além do pragmatismo comercial.
Pelo menos em círculos não governamentais, o prêmio contribuirá para aumentar as pressões internacionais pela abertura democrática na China.
AP
O Nobel da paz 2010 Liu Xiaobo
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E O BRASIL?
Aqui no Brasil, nosso governo silenciou em relação à concessão do Nobel da Paz ao dissidente chinês Liu Xiaobo.
Tudo bem, nem precisava demonstrar "grande alegria", tal como fez, no ano passado, o presidente Luiz Inácio para se referir à honraria dada para seu colega Barack Obama.
A alegação do Itamaraty beira o melhor do universo de Ionesco: diz a voz oficial do Brasil no exterior que "chefe de Estado premiado é uma coisa, dissidente é outra".
É evidente que são duas coisas diferentes, mas não seria muito mais digno manifestar alegria pela premiação de quem luta pelos direitos humanos, do que pela do presidente de um país que estava - e continua - envolvido em duas guerras?
Para tornar ainda mais imoral e eticamente inaceitável o silêncio, lembro que, na mensagem a Obama, Lula mencionou Martin Luther King e "sua luta pelos direitos civis".
Liu também luta pelos direitos civis. Não merece idêntico respeito?
Lembro também que o governo brasileiro está obrigado constitucionalmente até a manifestar-se.
O artigo 4 da Constituição cita a "prevalência dos direitos humanos" entre os princípios a serem utilizados pelo Brasil em suas relações internacionais.
Por tudo isso, é de se perguntar: de que tem medo o governo de Luiz Inácio, quando se trata de violações aos direitos humanos que envolvem ditaduras?
Os Estados Unidos mantêm com os chineses relações intensas, obtiveram deles até a aprovação das sanções ao Irã, gesto a que o Brasil se recusou.
Ainda assim, na mensagem que soltou a propósito do Nobel para Liu, Obama ousou pedir ao governo chinês que "solte o sr. Liu o mais depressa possível".
E como lembrou o grande Clóvis Rossi hoje, o Brasil pediu ao Irã que libertasse a francesa Clotilde Reiss e, mais recentemente, uma americana - a pedido do Departamento de Estado - e nem por isso o Irã rompeu relações com o Brasil.
Que custo teria já nem digo pedir a libertação de Liu mas, ao menos, soltar uma nota parabenizando-o?
Depois, as autoridades brasileiras se voltam contra quem ainda ousa pensar nesse país, quando o Brasil é criticado por seu silêncio na questão de Direitos Humanos ou, pior ainda, por dar, mais de uma vez, a impressão de que apoia a repressão aos dissidentes no Irã ou em Cuba.
Como pode um governo que paga indenizações a vítimas de uma ditadura, silenciar ante vítimas de outras ditaduras?
Afinal, Direitos Humanos, repito até a morte, não é uma questão interna de cada país, é universal.
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