terça-feira, 25 de junho de 2019

'CRÔNICAS DE SAN FRANCISCO': CRÍTICA DA PRIMEIRA TEMPORADA


SINOPSE:

Crônicas de San Francisco/Tales of the City, baseada nas crônicas de Armistead Maupin, é uma minissérie da Netflix, que estreou em 7 de junho de 2019.

Laura Linney , Paul Gross , Olympia Dukakis e Barbara Garrick reprisam seus papéis de minisséries anteriores baseados nos livros de Maupin.

CRÍTICA:

Nessa nova versão para a Netflix, Crônicas de San Francisco parece ser pensada para atrair os fãs da versão original que foi ao ar nos anos 90, mas acaba entregando histórias perfeitamente aproveitáveis para um novo público internacional, ainda que sua abordagem não tenha a mesma relevância que provavelmente tinha, décadas atrás.

Ellen Page fica responsável por chamar a atenção de uma nova geração para mais este “revival” que dá continuidade às histórias de Mary-Ann Singleton (Laura Linney) e Anna Madrigal (Olympia Dukakis), originalmente protagonistas de um livro escrito por Armistead Maupin, que eventualmente se tornou uma adaptação televisiva em 1993, com continuações em 1998 e 2001.

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Mary-Ann Singleton (Laura Linney) e Anna Madrigal (Olympia Dukakis) em cena da série - Fotos dessa Postagem: Divulgação/Netflix
Aqui, não temos uma série com um apelo tão abrangente quanto várias outras produções da Netflix, e seus longos dez episódios podem desencorajar espectadores menos atraídos pelos temas que a série discute.

Aqueles que decidirem embarcar nestas histórias, no entanto, poderão encontrar uma narrativa confortável que explora seus personagens de forma interessante, e constrói um retrato envolvente da comunidade “queer” de São Francisco, eterna cidade LGBT da Califórnia.

Seguindo sua proposta de revitalização, a série é marcada por comparações entre as diferentes gerações que a protagonizam, e evidencia as diferentes perspectivas destes personagens sobre o universo LGBT.

Em uma trama eficiente, vemos a chegada de Mary-Ann à cidade para o aniversário de 90 anos da sua grande amiga, a transexual Anna Madrigal.

Mary-Ann precisa encarar as mudanças deste ambiente depois de vinte anos longe de seus amigos, bem como conhecer os novos personagens que representam as evoluções de perspectiva sobre esta comunidade.

Parte desta atmosfera confortável que permeia a temporada é um resultado da maneira como a série trata elementos que poderiam ser considerados “transgressores” por alguns, com naturalidade e flexibilidade.

Tal qual no bar “Corpo Político” em que a personagem de Page trabalha, qualquer um pode ser o que quiser sem preconceitos, e ter suas qualidades e defeitos admirados.

Aqui, a estigmatização e a generalização que marca retratos parecidos em outras produções finalmente não tem vez.

Não há espaço algum para questionar se aqui temos uma série voltada para a comunidade “queer”.

A bandeira LGBT que encerra cada episódio é apenas mais um dos detalhes que evidencia esta abordagem, além dos nomes por trás da produção fazerem parte desta comunidade.

Os principais dilemas abordados por aqui são característicos de tramas comuns à este público, mas também são construídos e retratados de forma universalmente relacionável, tornando possível definir a série como, acima de tudo, um retrato honesto sobre pessoas comuns.

O choque de gerações produz discussões interessantes e relevantes para a nossa época atual, apresentando argumentos sobre tópicos como “local de fala” e rotulação.

A intenção por aqui não é construir um símbolo de resistência ou de conflito contra o lado conservador e intolerante dos EUA (como vemos em tantas outras produções), mas sim, exibir as características e debates que permeiam este cenário de forma convidativa e acolhedora.

Diversas perspectivas da comunidade “queer” são retratadas com sensibilidade, em diferentes núcleos narrativos que acompanham os romances, frustrações, aspirações e compreensões que compõem estes personagens.

Tal dedicação à não deixar que nenhum personagem possa ser tomado como uma “caricatura” do grupo que representa é o que torna a série mais envolvente e distinguível, mesmo que suas histórias possam não ser tão atraentes ou mirabolantes o suficiente para engajar um maior número de espectadores.

Em meio aos dilemas pessoais que preenchem a maior parte dos episódios, temos um toque de suspense para manter o público intrigado e curioso pelo próximo episódio.

Anna, em seus noventa anos de idade e admirada por todos que a cercam, começa a receber cartas ameaçadoras, que a chantageiam a abrir mão da “icônica” casa onde abriga este grupo de personagens.

Conforme a série progride, vamos descobrindo os motivos por trás desta chantagem em um desenvolvimento compassado, sem nunca elevar sua tensão para muito além da atmosfera descontraída da série.

A série é justamente uma recusa de que vários dos comportamentos retratos por aqui são qualquer coisa além de “normais”, e exibe as características desta comunidade com um orgulho que, muitas vezes, levaria a indústria televisiva a transformar este impudor em comédia.

Mas é justamente esta aceitação da realidade com que a série retrata San Francisco que a torna tão fácil de se acompanhar.

E sua falta de ambição por tramas mais expressivas ou reviravoltas marcantes soa condizente com um cenário televisivo prestigioso que é característico do século passado.

Percebe-se, então, as influências de suas encarnações anteriores, o que acaba produzindo uma obra distinta em meio ao acervo atual da Netflix, mas que também não possui o mesmo apelo ao público de hoje em dia.

O oitavo episódio é o único que realmente se dispõe a tirar o espectador deste conforto, nos levando para o passado, onde acompanhamos a trajetória de uma jovem Anna - e como a admirada personagem lidou com circunstâncias ainda mais angustiantes do que a nova geração percebe ao seu redor.

É um desvio necessário para fechar a discussão proposta pela série, que procura demonstrar como ninguém possui a compreensão absoluta necessária para se julgar os atos de outra pessoa.

O elenco é um achado: a Diva Olympia Dukakis volta ao papel de Anna com mais força e imponência, fazendo um trabalho primoroso.

Laura Linney entrega uma Mary-Ann a princípio aparvalhada, mas que luta para tentar reconquistar seu lugar naquela comunidade - e principalmente reconquistar os corações do seu ex-marido Brian Hawkins (Paul Gross) e de sua filha, Shawna (Ellen Page).

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Ellen Page e Paul Gross, em cena da série
Por falarmos na musa LGBT, Page é a que mais destoa: entra série, sai série, ela sempre faz a mesma personagem, a jovem lésbica de roupa e cabelos nada asseados e o indefectível boné na cabeça.

Não dá pra olhar para Shawna e não lembrarmos da Vanya de The Umbrella Academy e de todos os seus últimos trabalhos - e isso cansa o espectador, que não consegue entender onde foi parar a criativa atriz de tempos atrás.

Murray Bartlett como Michael "Mouse" Tolliver, melhor amigo de Mary-Ann e Charlie Barnett como Ben Marshall, o namorado mais novo de Michael, entregam as doses de romance e conquistas de casal - e são bonitos de se ver, em cenas lindas, intensas e verdadeiras.

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Murray Bartlett como Michael "Mouse" Tolliver Charlie Barnett como Ben Marshall, em cena da série
Mas o casal mais conflituoso é, sem dúvida o de Jake Rodriguez (Garcia), um homem transexual que é cuidador de Anna e sua companheira Margot Park (May Hong).

Mesmo trans-homem, Jake a certa altura vê que gosta mesmo é de transar com homens e esse seu conflito, junto a Margot e sua família hispânica é um dos pontos altos da série.

Felizmente para Margot, ela conhece a socialite DeDe Halcyon Day (Barbara Garrick), amiga de Mary Ann e o interesse mútuo logo aflora.

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Margot Park (May Hong) e Jake Rodriguez (Garcia), em cena da série
O alívio cômico da série vem em dose dupla, com os irmãos gêmeos influenciadores digitais Jennifer/Ani (Ashley Park) e Raven (Christopher Larkin), que aparecem em todos os episódios metidos em performances, streamings ao vivo, leilões, ocupações e toda sorte de 'arte'.

Divertidos, os dois dão show a cada aparição, com suas roupas idênticas e suas loucuras que ninguém espera.

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Jennifer/Ani (Ashley Park) e Raven (Christopher Larkin), os gêmeos performáticos
No mais, o elenco de apoio é muito bom.

Roteiro bem escrito, série bem dirigida e fotografada e elenco primoroso fazem com que membros da comunidade LGBT irão encontrar uma sensação de pertencimento relevante nestes retratos, mesmo que qualquer um pode se identificar e se entreter com estas histórias.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
Imagem relacionada
CRÔNICAS DE SAN FRANCISCO
Gênero:
Minissérie, drama
Baseado em:
Contos da cidade, de Armistead Maupin
Desenvolvido por:
Lauren Morelli
Elenco:
Laura Linney, Ellen Page, Paul Gross, Murray Bartlett, Charlie Barnett, Garcia, May Hong, Olympia Dukakis, Barbara Garrick
País de origem:
Estados Unidos
No. de episódios:
10
Produtor executivo (s):
Lauren Morelli, Alan Poul, Andrew Stearn, Laura Linney, Armistead Maupin, Tim Bevan, Eric Fellner, Liza Chasin
Produtor (es):
Gail Barringer
Cinematografia:
Federico Cesca
Editor (es):
Andy Keir, Allyson C. Johnson, Aaron Kuhn
Duração dos Episódios:
46 a 60 minutos
Produção empresa (s):
PSweatpants, Universal, NBCUniversal International
Lançamento Netflix:
7 de junho de 2019

COTAÇÃO DO KLAU:



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