terça-feira, 3 de março de 2020

'SPECTROS': CRÍTICA DA 1ª TEMPORADA

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O incrível caso da série brasileira onde seus diálogos ficam melhores e mais inteligíveis dublados em inglês
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SINOPSE:

Um grupo de cinco adolescentes é acidentalmente atraído para uma realidade sobrenatural que não pode ser compreendida, mas que se conecta ao mesmo local da cidade de São Paulo, o bairro da Liberdade, em 1908.

Quando confrontado por eventos cada vez mais bizarros e sombrios, o grupo chega a uma conclusão inevitável: alguém está trazendo a morte de volta e os espíritos querem vingança pelos erros cometidos no passado.

CRÍTICA:

Nova série nacional da Netflix, Spectros é uma produção feita para o público internacional, com diversas representações construídas a partir de uma perspectiva claramente americanizada e uma proposta que chega a empolgar, mas que nunca consegue superar os erros do seu roteiro.

Fazia tempo que uma série nacional tinha tanta falta de naturalidade e uso sem limites de referências e fórmulas características do mercado americano.

Dentro da Netflix, da HBO e do Globoplay, temos visto produções brasileiras que vem conseguindo desconstruir a nossa noção, como espectadores, de que os padrões americanos são os ideais, e diversos novos roteiros estão apresentando formas originais, produtivas em dramatizar os diálogos nacionais de forma bem mais audível do que estávamos acostumados a criticar.

Ao vermos a cabeça por trás da produção, porém, tudo se explica: Douglas Petrie, produtor executivo de séries como ‘Demolidor’ e ‘Os Defensores’ e roteirista de ‘Buffy: A Caça-Vampiros’, trabalhou no projeto com a brasileira Moonshot Pictures, um retrocesso nesta trajetória de não apenas valorizar, como também aproveitar aspectos exclusivamente nacionais para produzir conteúdos que soam originais ao público internacional, e ao mesmo tempo criam um sentimento de identificação com o espectador brasileiro.

A nova série se passa no bairro da liberdade, em São Paulo, caracterizado pela dominância da cultura japonesa e um dos lugares mais legais para se andar a pé, pelas suas múltiplas lojinhas, os bons restaurantes orientais e pelo povo exótico que por ali transita.

Só que Petrie desestrutura nosso querido bairro oriental paulistano, para nivelá-lo a uma adaptação de “Aventureiros do Bairro Proibido”.

Quem conhece o bairro sabe que ele não é grande - o que não justifica as muitas cenas de deslocamento dos personagens - só numa das esquinas, eles passam umas trocentas vezes.

O tom das aventuras do trabalho mais aclamado de Petrie, com Buffy e seus amigos caçando vampiros de baixo orçamento, está modestamente espalhado por esta nova produção.

Enquanto isso, os arcos narrativos dramaticamente relevantes para o que cada um dos personagens principais representa dentro deste cenário, ao mesmo tempo em que se considera a importância da representatividade cultural dos temas abordados pela mitologia da série são desperdiçados a cada cena e o o resultado desta junção de propostas acaba sendo, infelizmente, pouco produtivo dentro destes sete episódios, cujas durações variam entre trinta e poucos minutos e uma hora completa.

No que diz respeito ao tom satírico, a comédia da série é prejudicada pela escandalosa artificialidade dos diálogos, que parecem ter sido sendo traduzidos do inglês para o português, sem qualquer preocupação com a plasticidade das performances.

Faltou um diretor de atores experiente para dar profundidade às robóticas atuações.

Agora, o mais escandaloso foi quando experimentei trocar o idioma da série para a dublagem em inglês: todos os diálogos acabam soando mais naturais, menos gratuitos, e com intenções mais bem expressas - o que prova que a série mira somente o mercado internacional, os espectadores brasileiros que se ferrem.

A comédia, então, é cortada pelos momentos em que Spectros quer construir sua atmosfera de tensão, com ameaças sobrenaturais e antagonistas construídos a partir de estereótipos.

Há um esforço genuíno em tentar construir uma mitologia por aqui, aproveitando elementos históricos e noções familiares ao público, mas raramente encontra-se algum traço de inventividade para como esta mitologia vai sendo explorada pelos personagens.

Uma exceção é a parte onde os protagonistas entram em um bar de Karaokê e topam com uma gerente misteriosa: a liberdade cômica da cena comprova o potencial produtivo desta proposta, caso esta tivesse sido melhor trabalhada pela série como um todo.

Entre diversas representações superficiais e estereotipadas, não seria difícil acabar encontrando momentos de discurso, crítica ou reflexão, que acabam soando forçados nas falas destes personagens.

A polícia, por exemplo, chega a dizer coisas como “A gente é policial. A gente pode fazer qualquer coisa”, com uma das protagonistas, em outro momento, os chamando de “fascistas”.

A construção narrativa de momentos como estes chega a confundir o espectador, que não sabe se tais representações tão superficiais são parte da comédia, ou se são apenas mais uma característica de um roteiro pouco inspirado.

Para completar a confusão de propostas, a série ainda emprega uma estrutura não-linear em seus episódios, tentando conservar certos desenvolvimentos da trama enquanto prepara o terreno com seus protagonistas sendo interrogados pela polícia, o que acaba trazendo redundância em alguns pontos, prejudicando o ritmo da temporada, que poderia ser melhor aproveitada, caso a série tivesse dedicado mais foco ao seu lado cômico em episódios de menor duração.

Os esforços para construir cenas de terror em meio a este ambiente acabam se esvaindo e embora algumas cenas possam empolgar o espectador que seja fã das referências da produção, é mais provável que a série acabe caindo naquela velha categoria do “terrir”, onde a falha do horror acaba gerando o riso de deboche ou de desconforto.

Mas o completo descaso com a singularidade dos temas, personagens e ambientes abordados, junto com uma incômoda falta de inventividade para se re-trabalhar as referências de terror, comédia e ação que vão sendo alinhadas a cada episódio, acabam tornando Spectros uma série que representa justamente o contrário do que a Netflix preza em suas produções internacionais.

O que se salva é a direção de arte, perfeita, os efeitos especiais muito bons - fantasmas, zumbis, gente pegando fogo e lutas -e algumas presenças no elenco.

Danilo Mesquita (Segundo Sol, Rock Story, 3%) é o protagonista Pardal, que alterna bons e maus momentos de atuação, principalmente quando contracena com Enzo Barone, que o engole em todas as cenas dos dois juntos.

Barone , 12 anos - que já vimos nas séries A garota da Moto, A Voz do Silêncio, Amigo de Aluguel, Pacto de Sangue e no longa Nada a Perder - é o grande destaque, pois aparece bem em todas as suas cenas como o irmão de Pardal, Léo, indo do humor ao drama e ao pavor com uma naturalidade impressionante para alguém da sua idade.

Claudia Okuno faz aqui sua estreia como Mila, que nos dá as melhores cenas da série, principalmente as que contracena com Carlos Takeshi, que faz o seu pai, Celso: dois atores orientais, uma iniciante e um veterano, fluindo seus personagens maravilhosamente bem.

Se Mariana Sena se sai bem como Carla, o mesmo não se pode dizer de Daniel Rocha: seu Ricardo, policial tomado pelo espírito vilão da trama é mais raso que um pires, assim como sua parceira na polícia, Suzana, vivida pifiamente pela até aqui boa atriz Kelzy Ecard. 

O outro protagonista, Drop Dashi, que faz o Zeca, dono da kombi que  leva a turma pra lá e pra cá, é uma cara conhecida, mas eu não consegui achar seu perfil em nenhum lugar - mesmo assim, é o alívio cômico da série e funciona muito bem.

Miwa Yanagizawa dá vida à bruxa do bem Zenóbia e suas cenas melhoram muito quando a personagem envelhece.

Jui Huang e Jimmy Wong formam a divertida dupla de membros da máfia chinesa Wing e Li, que aparecem atrapalhando os planos dos protagonistas em todos os episódios e tem cenas divertidas de luta no final.

Por fim, o vereraníssimo Norival Rizzo finalmente ganha um papel, Mário, à sua altura, começando como um simples pipoqueiro até a espetacular virada no decorrer da série.

Para quem ama o bairro da Liberdade, como eu, a série decepciona.

Mas para o público internacional, a série vai agradar.

GALERIA DE IMAGENS:

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TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
SPECTROS
Formato:
Série
Gênero:
Suspense, Sobrenatural
País de origem:
Brasil
Diretor:
Douglas Petrie
Produtor(es) executivo(s):
Roberto D’Avila, Suraia Lenktaitis
Elenco:
Danilo Mesquita, Cláudia Okuno, Drop Dashi, Mariana Sena, Enzo Barone
Estúdio:
Moonshot Pictures
Exibição e Distribuição:
Netflix
Transmissão original:
20 de fevereiro de 2020 – presente
N.º de temporadas:
1
N.º de episódios:
7

COTAÇÃO DO KLAU:

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