quinta-feira, 27 de agosto de 2015

'QUE HORAS ELA VOLTA?': REGINA CASÉ, IRRESISTÍVEL E SENSACIONAL NUM DOS FILMES MAIS BELOS E POÉTICOS DO ANO


SINOPSE:

A pernambucana Val (Regina Casé) se mudou para São Paulo a fim de dar melhores condições de vida para sua filha Jéssica.

Com muito receio, ela deixou a menina no interior de Pernambuco para ser babá de Fabinho, morando na casa de seus patrões.

Treze anos depois, quando o menino (Michel Joelsas) vai prestar vestibular, Jéssica (Camila Márdila) lhe telefona, pedindo ajuda para ir à São Paulo, no intuito de prestar a mesma prova.

Mas quando Jéssica chega, a convivência é difícil.

Ela não age dentro do protocolo "filha da empregada" esperado para ela, o que gera tensão dentro da casa.

Todos serão atingidos pela autenticidade de sua personalidade.

No meio desse fogo cruzado, dividida entre a sala e a cozinha, Val terá que achar um novo modo de vida.

CRÍTICA:

Nesse conturbado período pós-eleitoral, quando derrotados e representantes eleitos contestam as regras, as alianças e a estrutura do sistema político brasileiro, um filme raro, exemplar, chega sem maiores pretensões para discutir este Brasil  movamente dividido.

Misturando drama e comédia, 'Que Horas Ela Volta?', de Anna Muylaert - em exibição em 73 salas em todo o Brasil - consegue confrontar o Nordeste e o Sudeste, os ricos e os pobres, o Brasil segregacionista e a ideia de união nacional que tão duramente conquistamos nos últimos anos.

Regina Casé, de volta à atuação depois de muito tempo, interpreta Val, uma empregada doméstica pernambucana que mora há mais de uma década em São Paulo, na casa dos patrões.

Que Horas Ela Volta? : Foto
Regina Casé como Val, protagonista do longa - Fotos dessa Postagem: Divulgação/Gullane Filmes
Dentro deste amplo lar de classe média-alta, Val é considerada “quase da família”, tendo criado os filhos dos patrões como se fossem os próprios.

O "quase" vem pelo fato de ela ainda fazer suas suas refeições em uma mesa separada, dormir num aperdadíssimo quartinho dos fundos e jamais ter entrado na grande piscina onde "a famíli"' se diverte.

A empregada doméstica foi o símbolo escolhido pela diretora para ilustrar a condescendência de certa elite que “acredita sinceramente ter sido feita para ocupar tal posição, diz Anna Muylaert , que sempre brincou com as diferenças sociais, dando destaque à classe média. 

Às vezes, seu humor peculiar e absurdo se sai bem ('Durval Discos', 'É Proibido Fumar'), às vezes, força a mão na caricatura ('Chamada a Cobrar').

Aqui, porém, a diretoria apela para um fundo mais dramático e narrativamente mais convencional que os filmes anteriores, o que resulta na sua melhor obra, a mais doce e comovente, fugindo do maniqueísmo em que o jogo de opostos poderia facilmente desaguar.

O elemento que escancara essa falsidade entre patrões e empregados e sua dinâmica familiar é a chegada de Jéssica (Camila Márdila), filha de Val, à casa dos patrões, vinda de Pernambuco na intenção de se preparar para o vestibular.

Questionadora, ela é o elemento de subversão que coloca à luz a artificialidade daquela estrutura, que parecia natural tanto à família quanto a Val.

Que Horas Ela Volta? : Foto
Val repreende a filha, depois que ela ousa se banhar na piscina da casa
Como o visitante de 'Teorema', de Pasolini, a garota de passado misterioso chega para seduzir o pai e o filho, questionar a autoridade da patroa e desestabilizar a própria mãe.

O equilíbrio na representação é mantido graças ao excelente trabalho do elenco.

Regina Casé deixa de lado sua habitual histrionice e seus gestos corporais amplos para dar à sua Val uma feição mais simples, lenta, de quem desempenha as mesmas tarefas há décadas.

O humor de suas falas é irônico, mas simples, cotidiano, o que leva a sua personagem – e o filme – para o bem-vindo tom de crônica social.

Camila Márdila como a filha também tem uma atuação excepcional, tateando o terreno dentro da casa desconhecida e sutilmente ganhando espaço, como uma boa estrategista.

O casal interpretado por Karine Teles e Lourenço Mutarelli cumprem bem a imagem dos ricos e supostamente descolados, apesar de serem presos às convenções sociais.

Que Horas Ela Volta? : Foto
Val com os patrões, interpretados  por Lourenço Mutarelli e Karine Telles
Se o roteiro foca demais em alguns símbolos (o sorvete, as xícaras de café), isso corresponde à vontade de fazer deste lar um exemplo de milhares de outros lares nas mesmas condições e justamente por isso, pequenos símbolos são obrigados a ganhar uma importância maior do que normalmente teriam.

A atitude de Carlos (Mutarelli) em relação a Jéssica também surpreende, mas isso provavelmente se encaixa na cota de pequenos surrealismos que Muylaert gosta de embutir em suas histórias, como uma assinatura pessoal.

De qualquer modo, estes fatos não alteram o ritmo agradável da história, que levou a plateia às gargalhadas no Festival de Berlim (que lhe deu o prêmio de Melhor Filme), depois de também cativar o público em Sundance.

Foi em Sundance, aliás, que a atuação arrebatadora de Casé foi mais reconhecida: o festival criado por Robert Redford não tem o prêmio de 'Melhor Atriz' e nessa última edição, a categoria foi criada justamente para laurear Regina.

O público brasileiro, principalmente a grande maioria a favor das profundas mudanças societárias pelas quais o país vem passando, também se identificará com este filme, que marca o último trabalho do mestre Antonio Abujamra .

Muitas pessoas poderão ver na telona suas próprias famílias, ou as famílias de pessoas que conhecem.

Que Horas Ela Volta? : Foto Camila Márdila
Camila Márdilla como Jéssica
Sempre presentes nas cinematografias de outros países, as comédias de cunho social são raríssimas no cinema brasileiro, principalmente com a qualidade e profundidade desta pequena pérola, que merece ser vista e revista e que representa aquela faixa de mercado tão necessária e tão ausente na nossa cinematografia: a dos “filmes do meio”, que fica entre as pequenas obras herméticas do circuito de arte e os grandes arrasa-quarteirões da comédia popular.

Pelo respaldo que o longa vem tendo junto à mídia americana especializada, eu, se fosse da comissão que todo ano escolhe o filme brasileiro candidato ao Oscar, nem piscaria em mandar pro red carpet do maior prêmio do cinema esse filme simples, poético, de uma beleza e de uma verdade absolutas.

Filmaço.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
'QUE HORAS ELA VOLTA?'
Gênero:
Drama
Direção e Roteiro: 
Anna Muylaert
Elenco:
Antonio Abujamra, Camila Márdila, Helena Albergaria, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Luis Miranda, Michel Joelsas, Regina Casé, Theo Werneck
Produção:
Anna Muylaert, Débora Ivanov, Fabiano Gullane, Gabriel Lacerda
Fotografia:
Bárbara Álvarez
Montador:
Karen Harley
Trilha Sonora:
Fábio Trummer
Duração:
114 min.
Ano:
2015
País:
Brasil
Cor:
Colorido
Estreia:
27/08/2015 (Brasil)
Distribuidora:
Pandora Filmes
Estúdio:
África Filmes / Globo Filmes / Gullane Filmes
Classificação:
14 anos

COTAÇÃO DO KLAU:

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