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Um dos jornalistas mais respeitados da TV brasileira, ele passou pelos maiores veículos e construiu uma das carreiras mais sólidas do jornalismo no Brasil
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Jornalista sempre fala que foi preparado para 'dar a notícia' e não 'ser a notícia'.
Mas o que dizer quando em plena segunda-feira, na hora do almoço, chocados, sabermos que perdemos o maior e melhor jornalista brasileiro da atualidade?
Ricardo Eugênio Boechat não resistiu e morreu, aos 66 anos, após um acidente trágico de helicóptero, que caiu sobre um caminhão no km 22 da rodovia Anhanguera, no sentido Jundiaí, próximo ao pedágio Jabaquara, na Grande São Paulo, por volta do meio-dia.
O piloto da aeronave, Ronaldo Quattrucci, também não resistiu.
A Band, emissora onde atualmente trabalhava - juntamente com a rádio Band News FM e a revista Isto É - demorou cerca de uma hora para dar a notícia - que pegou a todos de surpresa - como foi o caso de Sandra Annenberg, que em plena exibição do Jornal Hoje teve de aguentar o baque e dar a notícia..
É que o pessoal da Band esperava que o diretor de jornalismo da casa, Fernando Mitre, fosse até à casa do jornalista dar pessoalmente a trágica notícia à sua mulher e familiares.
Logo depois da visita de Mitre, a Band colocou no ar um José Luiz Datena visivelmente abatido e emocionado - e finalmente deu a notícia que nunca queríamos ouvir.
Veja:
Hoje pela manhã, Boechat apresentou normalmente seu programa na rádio.
Poucas horas antes do acidente de helicóptero, o jornalista analisou a “sucessão de tragédias no Brasil” a partir de uma reportagem do jornal O Globo.
A publicação fez uma lista de dez casos trágicos ocorridos no país e a contundência do discurso de Boechat provocou repercussão nas redes sociais após a morte do jornalista.
"O que a gente tem que colocar em cima da mesa, como sociedade, é se a gente quer continuar lidando com essas tragédias pranteando-as no início e esquecendo-as logo depois" – disse o jornalista, em referência às tragédias de Brumadinho e do centro de treinamento do Flamengo.
Veja:
Por volta das 9 horas, Boechat embarcou no heliponto da Band, no Morumbi, no mesmo helicóptero que caiu - que a ANAC diz estar regular, com inspeção válida até maio próximo - rumo a Campinas, onde fez uma palestra numa convenção de uma indústria farmacêutica.
Segundo sua mulher, Veruska, também jornalista, ele preferiu ir e voltar de Campinas de helicóptero pois queria almoçar em casa - no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo - com suas duas filhas, de 12 e 10 anos, para depois retornar à Band para preparar o Jornal da Band, que começa às 19h20.
Filho de diplomata, Boechat nasceu em 13 de julho de 1952, em Buenos Aires.
O pai estava a serviço do Ministério das Relações Exteriores na Argentina.
Um dos jornalistas mais respeitados da TV brasileira, Boechat passou pelos maiores veículos e construiu uma das carreiras mais sólidas do jornalismo no Brasil.
Passou por veículos da grande mídia, como O Globo, O Dia, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil.
Na década de 1990, teve uma coluna diária no "Bom Dia Brasil", na TV Globo, e trabalhou no "Jornal da Globo".
Boechat na redação da TV Globo - Divulgação |
Chegou a ocupar o posto de diretor de jornalismo da Band Rio e teve passagem pelo SBT.
Ganhou por três vezes o prêmio Esso - o principal prêmio do jornalismo brasileiro - e também era recordista de vitórias no Prêmio Comunique-se – foi o único a ganhar em três categorias diferentes (Âncora de Rádio, Colunista de Notícia e Âncora de TV).
Em pesquisa do site Jornalistas & Cia em 2014, que listou cem profissionais do setor, Boechat foi eleito o jornalista mais admirado.
Ele lançou em 1998 o livro “Copacabana Palace – Um hotel e sua história” (DBA), sobre a trajetória e o fascínio do mais luxuoso e icônico hotel brasileiro.
Boechat começou a trabalhar assim que deixou a escola, na virada de 1969 para 1970, após um período de militância em que fez parte do quadro de base do Partido Comunista em Niterói (RJ).
O pai de uma amiga, diretor comercial do "Diário de Notícias", foi quem o convidou.
"Note que eu mal batia à máquina, não tinha noção de rigorosamente nada. Tinha morado a vida inteira em Niterói. O Rio de Janeiro para mim era o exterior", comentou ao site Memória Globo (leia o depoimento completo).
Um de seus primeiros textos foi uma nota exclusiva sobre Pelé, que lhe garantiu mais espaço no jornal.
Depois, Boechat passou a escrever na coluna de Ibrahim Sued (1924-1995), no mesmo "Diário de Notícias".
Ele considerava o período de 14 anos em que trabalhou com Sued como decisivo para sua "formação como repórter".
"Eu pude ter uma escola na qual a doutrina era procurar informações, e por trás de mim o primeiro e maior dos pitbulls que eu já conheci, que era ele, rosnando no meu ouvido 24 horas por dia."
Boechat saiu em 1983, quando a coluna já era publicada em "O Globo", após uma briga com o titular.
Mudou-se, então, para o "Jornal do Brasil", a convite do concorrente Zózimo Barroso do Amaral, tendo retornado a "O Globo" pouco depois, na coluna "Swann".
Em uma segunda passagem pelo jornal, que durou até 2001, foi titular de uma coluna que levava o seu nome.
Veja uma reprodução da coluna:
Muito discreto e profissional, ele raramente era visto publicamente na companhia da família.
Exceção aconteceu em janeiro, quando o âncora levou as duas filhas menores, Valentina e Catarina, e a atual mulher, a também jornalista Veruska Seibel Boechat para a bancada do Jornal da Band, onde todos posaram, felizes, para uma foto.
Boechat, com as filhas Valentina e Catarina, e a atual mulher, a também jornalista Veruska Seibel Boechat na bancada do Jornal da Band - Divulgação/Band
O jornalista tinha seis filhos: Paula, Bia, Rafael e Patrícia - do primeiro casamento - e as duas meninas, do casamento com Veruska.
O jornalista Gilberto Dimenstein, editor do Site Catraca Livre, escreveu um belo texto em homenagem a Boechat.
Leia:
Ricardo Boechat é a pior perda na Era Bolsonaro
Em qualquer momento, Ricardo Boechat seria uma perda profissional.
Ainda mais grave na Era Bolsonaro
Ele é de uma geração de que migrou da imprensa escrita e aprendeu os códigos do rádio, da TV e da internet, sempre mantendo o valor da independência.
Não era um rostinho bonito no ar.
Mas alguém que sabia o valor da notícia e como interpretá-la com rapidez.
Sabia encarnar e compartilhar a indignação.
A Era Bolsonaro é a era da ameaça ao jornalismo independente.
A liberdade de expressão é vista com desconfiança.
Somos acusados de ser inimigos do povo, urubus malandros, picaretas.
Reportagens incômodas são apontadas como Fake News.
Compreensível vindo de um presidente que disse não ter existido censura no Brasil.
Nem teria existido, aliás, ditadura.
Profissionais como Boechat era um dos melhores guerrilheiros na nossa trincheira a favor da liberdade de imprensa.
Por vezes discordamos das opiniões, por vezes aplaudimos de pé.
Independentemente de posicionamento político, algumas coisas são inquestionáveis: o profissionalismo, a competência, a facilidade de Ricardo Boechat de transmitir as notícias, além, é claro, da notável simpatia e leveza.
O que faremos nas manhãs, sem ouvir os seus excelentes comentários e o bate-bola com o Zé Simão, que já deixava nosso dia mais leve?
E como assistir ao Jornal da Band, para mim o melhor telejornal do Brasil, sem a sua presença marcante na bancada?
Boechat na bancada do Jornal da Band - Divulgação |
O nosso mais profundo pesar à família, aos amigos e colegas de profissão e aos - como nós - ouvintes e admiradores deste que foi um dos maiores jornalistas da atualidade.
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