segunda-feira, 28 de outubro de 2019

' A LAVANDERIA': CRÍTICA

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Hollywood se mostra altiva como nunca em comédia pela reforma fiscal nos EUA
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SINOPSE:

Ramón Fonseca (Antonio Banderas) e Jürgen Mossack (Gary Oldman) comandam um escritório de advocacia sediado na Cidade do Panamá, de onde gerenciam dezenas de empresas.

Eles participam de todo tipo de fraude, sempre dispostos a faturar mais.

Um dos casos envolve o pagamento da indenização a Ellen Martin (Meryl Streep), após seu marido Joe (James Cromwell) falecer devido a um acidente de barco.

Sem receber a quantia prometida, ela decide investigar por conta própria a empresa que está lhe dando calote.

CRÍTICA:

Quem diz que a postura dos liberais americanos é mais uma questão de estética do que de princípios - como o fato de Ellen DeGeneres rechaçar Donald Trump mas se misturar com George W. Bush - tem no filme A Lavanderia um caso de estudo bastante interessante.

Por trás de sua carta comovida de boas intenções o filme de Steven Soderbergh para a Netflix não consegue disfarçar a visão de mundo autocentrada.

Uma das características do inglês é desenvolver com rapidez expressões de idioma para dar conta de mudanças de comportamento e outros sinais dos tempos. 

Uma dessas expressões é "virtue signaling", "sinalizar virtude", popularizada para definir quem se mostra valoroso em público em troca de aplauso.

Não que o longa seja hipócrita no seu relato didático sobre lavagem de dinheiro e evasão fiscal, mas há um ranço por trás dos elegantes planos-sequências de Soderbergh, como se o filme estivesse realmente atacando assuntos de importância mais para falar de si mesmo.

O longa aborda o escândalo dos Panama Papers, com base no livro The Secrecy World, do jornalista Jake Bernstein, sobre um vazamento de emails que expôs o universo de empresas de fachadas sediadas em paraísos fiscais usados globalmente para sonegar impostos.

Antonio Banderas e Gary Oldman vivem os donos da firma panamenha que gerencia essas empresas, e ao mesmo tempo eles quebram a quarta parede para explicar tudo ao espectador.

A desculpa é a mesma dos filmes de prestígio de Adam McKay, como A Grande Aposta e Vice: tratar finanças ou a burocracia do governo de um jeito pedagógico numa conversa informal com o público, para expor o absurdo que há na complexidade jurídica desses universos.

Quem lê a sinopse e encontra Meryl Streep no topo do pôster pode suspeitar que Soderbergh estaria refazendo um trajeto parecido com o do seu Erin Brockovich, um elogio do cidadão médio que, esmagado pelo sistema, encontra no próprio espírito empreendedor americano as forças para vencer e reorganizar o mundo à sua volta.

A jornada edificante do longa é bem diferente, porém, e está mais próximo dos filmes de McKay na ambição de desenhar, com senso de humor quase sádico, um painel de subtramas ao invés de eleger uma só como epicentro dramático.

O resultado denota um desinteresse e um desprendimento que já estavam meio sugeridos nos planos-sequências com Oldman e Banderas.

O longa começa forte e envolvente, pegando o espectador de surpresa em momentos de impacto filmados de forma seca e direta (como o acidente de barco e os tiros na firma do Panamá), e nesses momentos o desprendimento funciona a favor do impacto.

À medida que o filme avança, porém, e escolhe outras subtramas sob o pretexto de dar mais substância ao "big picture", tudo em A Lavanderia tende a parecer mais gratuito - até a reviravolta final e o desfecho, que se sucedem sem suspense e caem no filme como um oportuno deus ex machina, atendendo às preces da massa.

Essas escolhas têm em comum um sentimento de superioridade moral: a amarração descompromissada, o exibicionismo dos travelings, as pegadinhas, o desvio na trama para tornar o estrangeiro caricatura (o sotaque carregado dos latinos e dos africanos, a frieza e a histeria dos chineses) e finalmente o refúgio na torre de marfim de Hollywood.

Porque a maior arma da esquerda liberal americana sempre foi o bom gosto, o charme e a altivez dos seus astros de cinema, porta-bandeiras das causas mais nobres.

Se há um elemento de pedantismo no longa, isso fica mais evidente no final, em que Meryl Streep se desnuda nos bastidores para mostrar o que faz dela uma autoridade aqui: simplesmente ser Meryl Streep.

Não fique a dúvida: quando quebra a quarta parede no final, A Lavanderia está apenas repetindo e deixando muito clara uma estratégia presente desde o início, que é operar sob um prestígio que precede o filme, o prestígio de deixar o pobre espectador espiar por dentro dos corredores de um cenário de cinema, acompanhado de um ícone latino e de um versátil vencedor do Oscar.

Na comparação, pelo menos os filmes de McKay, sempre em chave amarga, nunca esconderam que seu desprezo pelo espectador era também um desprezo por si.

A Lavanderia tenta nos convencer - já que o discurso hollywoodiano sempre é o da autoafirmação - que seu paternalismo na verdade é para o nosso bem.

GALERIA DE IMAGENS:
A Lavanderia : Foto Meryl Streep

A Lavanderia : Foto Meryl Streep

A Lavanderia : Foto Antonio Banderas, Gary Oldman

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
A LAVANDERIA
Dirigido por:
Steven Soderbergh
Produzido por:
Scott Z. Burns, Lawrence Gray, Gregory Jacobs, Steven Soderbergh, Michael Sugar
Roteiro de:
Scott Z. Burns
Baseado em:
Mundo secreto: dentro dos documentos do Panamá Investigação de redes de dinheiro ilícitas e da elite global, de Jake Bernstein
Elenco:
Meryl Streep, Gary Oldman, Antonio Banderas, Jeffrey Wright, Robert Patrick, David Schwimmer, Sharon stone
Música:
David Holmes
Cinematografia:
Steven Soderbergh (como Peter Andrews)
Editado por:
Steven Soderbergh (como Mary Ann Bernard)
Estúdio:
Gray Matter Productions, Topic Studios, Sugar23
Exibição:
Netflix
Datas de lançamento:
1 de setembro de 2019 - Festival de Veneza
27 de setembro de 2019 - Netflix
Duração:
95 minutos
País:
Estados Unidos

COTAÇÃO DO KLAU:

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