domingo, 8 de novembro de 2009

UM BRASILEIRO CHAMADO ANSELMO




Anselmo Duarte é um dos nomes mais importantes na história do cinema nacional.

Em cena de "Sinhá Moça"

Se não bastasse sua carreira como ótimo ator, foi por trás da câmera - como cineasta - o único brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962, por "O Pagador de Promessas",concorrendo com títulos de vários dos principais diretores da época, entre eles Michelangelo Antonioni, Robert Bresson, Luis Buñuel e Sidney Lumet.

No júri,François Truffaut foi um dos principais defensores do prêmio principal para o filme brasileiro.


Anselmo mostra a Palma de Ouro para os repórteres


Leonardo Villar e Glória Menezes em cena de "O Pagador..."

Baseado num texto teatral de Dias Gomes, "O Pagador..." tinha no elenco Leonardo Villar, Glória Menezes e Norma Bengell,e também foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro.


Leonardo Villar em cena de "O Pagador..."

À época com 42 anos, Anselmo vinha de uma carreira de ator que já durava 20. Foi o galã principal da Atlântida e da Vera Cruz, as duas produtoras mais importantes do cinema brasileiro nos anos 1950 - a primeira, carioca famosa pelas chanchadas e a segunda, paulista, pelos melodramas de aparência e inspiração européias. Até então dançarino, conseguiu logo de início um salário equivalente ao triplo do que ganhavam os grandes astros da chanchada,Oscarito e Grande Otelo. Tudo graças à boa aparência e seu 1,88m de altura, que frequentemente despertavam acalorados debates, na comparação com os astros americanos da época.

Cena de "O Pagador..." filmada no pelourinho, em Salvador


E por falar em filme americano,uma curiosidade:seu currículo inclui uma figuração em "É Tudo Verdade",o filme inacabado do gênio Orson Welles, filmado no Brasil.

A volta ao Brasil, de navio, foi um acontecimento inesquecível: Ao desembarcar no porto de Santos-SP, Anselmo e o elenco do filme pararam literalmente a cidade!





Imagens da chegada apoteótica a Santos-SP

Quem entendia realmente da arte de interpretar, como os diretores Watson Macedo, Adolfo Celi e Ziembinski, diziam sempre que podiam que ele era um ator estupendo.

Mas Anselmo nunca deu valor a sua carreira de ator.Perfeccionista ao extremo,achava-se canastrão e implicava com a própria voz. Tinha também restos do sotaque do interior de São Paulo,caçula de sete filhos de uma família pobre e sem pai.

Quando estrelou a chanchada "Carnaval no Fogo", que havia corroteirizado, o diretor Watson Macedo deixou que ele dirigisse duas sequências. Na Vera Cruz, o prestígio em filmes como "Tico-tico no Fubá" fez com que finalmente ele tivesse a chance de dirigir o primeiro longa-metragem, "Absolutamente Certo". Nessa sátira à televisão, um sucesso de crítica e público, Anselmo ainda ficou com o papel principal. Logo deixaria de atuar nos filmes que dirigia.

Com Tonia Carrero, em "Sinhá Moça"


Com Odete Lara, em cena de "Arara Vermelha" - 1957

"O Pagador de Promessas" veio em seguida. Anselmo, agnóstico, tinha um esboço de argumento sobre uma espécie de Cristo contemporâneo quando soube da peça de Dias Gomes sobre um sertanejo que quer pagar uma promessa feita em favor de um burro, carregando uma cruz até uma igreja, e o padre o impede de entrar.


Pré estréia de "O Pagador..." - Cine Ipiranga,SP

Mas Dias Gomes - que depois de consagrar-se como autor de teatro, faria carreira na tv com obras como "O Bem Amado" e "Roque Santeiro" - detestou a adaptação e ameaçou exigir que seu nome fosse tirado dos créditos. Foi a primeira de uma série interminável de rusgas que marcariam a carreira do ator. Depois do prêmio, ele passou a se sentir vítima de inveja e preconceito, tanto dos representantes do Cinema Novo quanto de grande parte da crítica, e sofreu até o final da vida com isso.

"O Pagador de Promessas" era uma parábola populista e politicamente limitada, o que realmente não aproximou o diretor dos jovens cineastas engajados da época.

Para quem não viu, vale MUITO A PENA ver: o filme é um primor de encenação e envelheceu bem, mesmo entre os críticos.

O trabalho seguinte do diretor foi "Vereda da Salvação", novamente baseado numa peça teatral - de Jorge de Andrade, autor das cultnovelas "Os Ossos do Barão" e "O Grito" - e centrado num personagem sertanejo e místico (interpretado por Raul Cortez). Era o filme favorito de Anselmo, mas enfrentou problemas, da filmagem à exibição, e não teve a repercussão esperada.

Só cinco anos depois Anselmo voltou a filmar, com "Quelé do Pageú", drama de cangaço, e "Um Certo Capitão Rodrigo", baseado em Erico Verissimo. Foram filmes de repercussão modesta em comparação com "O Pagador". A carreira do diretor ainda prosseguiria com três episódios de pornochanchadas, um melodrama policial- "O Descarte" - com Glória Menezes e Ronnie Von,filme que marcou profundamente minha adolescência - , uma adaptação de um drama regionalista escrito originalmente para a TV ("O Crime do Zé Bigorna") e um filme estrelado por Pelé ("Os Trombadinhas").

Anselmo nunca deixou de atuar. Ganhou um estupendo papel do policial sádico no clássico "O Caso dos Irmãos Naves", de Luiz Sérgio Person, em 1967, e passou às participações especiais que lhe davam algum prestígio, algum dinheiro e pouca exposição, como ele preferia.

Com quase 90 anos, Anselmo ainda fumava e gostava de beber, mantinha a fama de conquistador irresistível e de um grande contador de histórias. Teve quatro filhos e casou-se algumas vezes, uma delas com a atriz Ilka Soares, uma das mais belas e estonteantes mulheres que esse país já viu..

Em 16 de agosto último, sofreu um infarto do miocárdio que se seguiu a um quadro de anemia aguda. Estava internado no InCor do HC-SP desde 27 de outubro, após um acidente vascular cerebral hemorrágico.

Anselmo Duarte morreu na madrugada deste sábado,aos 89 anos. Foi velado na Assembleia Legislativa de São Paulo,e um curto velório também ocorreu no saguão do Centro de Educação e Cultura - em Salto, interior de São Paulo e sua cidade natal - inaugurado em junho deste ano e que leva o nome do cineasta.

Uma justa homenagem dos seus conterrâneos - ele sempre falava da cidade em suas entrevistas.

Um grande ator. Um ótimo diretor. Um brasileiro chamado Anselmo.



Em setembro de 1958, numa mesa com o cineasta Roberto Rosselini - em primeiro plano -no Festival de Cinema de SP


Em Paris - final dos anos 50



Em outubro de 2003


Em novembro de 1953



No Festival do Cinema Brasileiro - Sala São Paulo - janeiro de 2001


Com o filho Ricardo, que penteia seu cabelo para uma homenagem no Museu da Imagem e do Som - SP - maio de 2005

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