terça-feira, 2 de julho de 2019

'DEMOCRACIA EM VERTIGEM': DOCUMENTÁRIO EXPÕE MUITAS FERIDAS DO GOLPE DE 2016


SINOPSE:

Documentário sobre o processo de impeachment da ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que foi considerado como um dos reflexos da polarização política e da ascensão da extrema-direita para o poder.

O filme conta com imagens internas e exclusivas dos bastidores do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e do Palácio da Alvorada, enquanto ocorria a votação para a queda de Dilma.

CRÍTICA:

Vasta documentação histórica aliada às portas abertas do Palácio da Alvorada compõem o documentário Democracia em Vertigem, da cineasta Petra Costa.

O longa chegou recentemente ao catálogo da Netflix para deixar mais um registro definitivo sobre o atual contexto político brasileiro.

Petra conta com sensibilidade pontos essenciais da história recente que levaram o país a um processo de golpe (contra Dilma Rousseff, em 2016) que levou à ascensão da extrema-direita – com a ajuda da classe média alta do país, na qual a diretora se inclui em sua narrativa.

O documentário entra para o panteão daqueles que se dedicam a contar a história do país, ao lado de extensa produção literária e mesmo audiovisual, como a obra par O Processo (2018), da documentarista Maria Augusta Ramos.

Estão ali, explícitos para o público, momentos históricos como a conversa do então senador Romero Jucá (MDB-RR) com o ex-presidente da estatal Transpetro Sergio Machado: “A solução é botar o Michel (…) Num grande acordo nacional, com o Supremo e com tudo”.

Petra faz questão de repetir a fala, como que em um desabafo particular, indignada.

O grande seriado de drama, com toques de terror (tudo muito bem televisionado, espetacularizado), que se transformou a política nacional, explode em seu mais novo capítulo com o escândalo da “Vaza Jato“.

Mesmo não entrando no documentário, os fatos se conversam.

No documentário, Petra apresenta a forma como a Justiça, por intermédio da Operação Lava Jato, com os procuradores do Ministério Público de Curitiba e o então juiz Sergio Moro, tratou o processo contra o ex-presidente Lula.

Provas? Não foram necessárias.

Bastaram convicções e um conluio entre juiz e promotores com a finalidade de prender Lula para impedi-lo de concorrer às eleições do ano passado. Foi a continuidade do golpe.

“Qual o sentido de tirarem a Dilma se eu voltar?”, questiona o ex-presidente.

“A história foi ficando cada vez mais surreal, com pontos de virada inimagináveis”, disse a cineasta em evento de lançamento do documentário em São Paulo. “As viradas continuam”, afirmou, em referência aos novos fatos que comprovam a relação promíscua entre Moro e procuradores (vazamento de diálogos pelo The Intercept Brasil).

Durante o lançamento, Petra foi questionada, inclusive, se seria cabível a produção de uma continuação do longa - e encarou a possibilidade com bom humor, sem sentenciar sim nem não.

Petra tem 35 anos, praticamente a mesma idade da democracia brasileira após o fim da ditadura civil-militar (1964-1985), como observa no filme.

Aos 28 anos, filmou ELENA (2012), que ganhou prêmios de Melhor Documentário pelo Júri Popular, Melhor Direção, Montagem e Direção de Arte no Festival de Brasília.

O documentário se impôs a Petra como um meio de enfrentamento à dor da morte da irmã.

Segundo ela, uma dor tão forte quanto a vivida nos dias atuais, ante o sangramento da utopia democrática – um roteiro que também se obrigou a contar.

A mensagem de Democracia em Vertigem é clara: tão jovem democracia em tão grave risco.

Não foram poucos os relatos de expectadores que caíram nas lágrimas durante o longa.

“Fiquei muito emocionado. Chorei pouco, não como ela”, disse o músico Caetano Veloso, que assistiu em sua casa, ao lado da apresentadora e atriz Mônica Iozzi, que ficou muito abalada.

“É difícil não chorar nada. Tem a perspectiva dela e a histórica, tem os pais dela. A série de coisas é muito nítida a feição dessa história”, completou Caetano.

O ponto de vista da cineasta é muito presente na obra.

Inclusive a crítica frequentemente cobrada do PT, de ter – apesar de ter realizado gestões inclusivas e que levaram a uma taxa elevada de aprovação de Lula, acima de 80% –, falhado no plano ético ao sucumbir aos antigos mecanismos de financiamento de campanhas.

Narrado em primeira pessoa, o documentário trata da família de Petra.

Seu avô, empreiteiro fundador da Andrade Gutierrez; seus pais, ativistas comunistas perseguidos pela ditadura - uma família de contrastes.

Em um desabafo, ela lamenta que parte de seus familiares apoiaram o presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL) – que não esconde seu desejo de que gente como os pais de Petra estivesse mortos após tortura, simplesmente por pensar de outra forma.

Um dos pontos de virada mais importantes da linha narrativa, como não poderia ser diferente, é a votação da aceitação do impeachment na Câmara dos Deputados, em abril de 2016, quando os deputados votaram por Deus, pela família, pela avó, por estradas, por igrejas, contra Dilma.

Sobre o porquê da cassação de seu mandato? Nada.

Apenas a oposição desesperada com o absurdo.

O maior deles veio justamente com Bolsonaro: deputado federal à época, dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador militar reconhecido pela Justiça, inclusive de Dilma Rousseff, quando ela era uma jovem ativista.

Perplexo, o ex-deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) – que atualmente está exilado, após ameaças contra sua vida vindas de grupos bolsonaristas – falou em suas redes sociais sobre o documentário.

“É impressionante como a Petra conseguiu traçar um elo entre nosso passado recente e nosso passado mais distante. E mostrar o que restou do passado distante de mais infeccioso, a ponto de infectar nossa democracia. Petra se implica na história, conta uma história que é dela e também nossa. Eu, envolvido nos fatos, ao vê-los de fora do país, me doeu muito”, disse.

Muitos outros pontos históricos estão lá: a resistência de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC antes da prisão; a morte de sua companheira, Marisa Letícia; o isolamento de Temer no governo Dilma, sua articulação golpista, entre outros.

Por tudo isso, o documentário entrou para a seleta lista de melhores filmes de 2019 do New York Times, um dos principais jornais norte-americanos.

Stephanie Goodman, crítica de cinema, escolheu oito filmes para o ranking: além de Democracia em Vertigem, o documentário Rolling Thunder Revue, no qual Martin Scorsese falou sobre Bob Dylan, também apareceu.

Democracia em Vertigem recebeu diversas críticas positivas, tanto em veículos nacionais quanto internacionais - e é um dos favoritos para concorrer ao Oscar na categoria de Melhor Documentário.

Quem quiser o que acontece com o Brasil de 2016 para cá, é obrigatório.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
Gênero:
Documentário
Direção:
Petra Costa
Nacionalidade:
Brasil
Duração:
2h02
Exibição:
Netflix

COTAÇÃO DO KLAU:

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