segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

'AMERICAN HORROR STORY - CULT': MELHOR TEMPORADA DA SÉRIE DEIXA DE LADO O SOBRENATURAL PARA DESTACAR OS MAIORES PERIGOS DA ATUALIDADE: A VAIDADE E O MEDO


SINOPSE:

Após as eleições presidenciais dos Estados Unidos de 2016, a cidade de Brookfield Heights, no Michigan, fica dividida.

A proprietária do restaurante local, Ally Mayfair-Richards, está completamente perturbada pela vitória de Donald Trump e várias de suas fobias de longa data, incluindo a coulrofobia, a hemofobia e a tripofobia, se intensificam com os recentes acontecimentos e ela tenta conseguir a ajuda de sua esposa, Ivy, e seu psiquiatra, Dr. Rudy Vincent, para curar suas fobias.

Um dos residentes de Brookfield Heights, um sociopata manipulador chamado Kai, se alegra com os resultados das eleições e fica inspirado a seguir o poder político.

Então, Kai forma um culto para conseguir realizar suas ideologias, contando com a ajuda de seus seguidores; entre eles, sua irmã Winter, os vizinhos Harrison e Meadow, além do detetive Jack Samuels e da repórter local Beverly Hope.

CRÍTICA:

Em novembro de 2016, em meio a toda a loucura provocada pela disputa entre Hillary e Trump pela presidência dos EUA, o YouTube começou a ser tomado por vídeos amadores que mostravam pessoas fantasiadas de palhaços pelas ruas, amedrontando e assustando moradores de cidades pequenas.

A polícia chegou a atentar para o “fenômeno” depois que alguns casos chamaram a atenção pelo seu teor quase terrorista.

A sociedade estava reagindo de algum jeito e olhando para trás na história, períodos de grandes transformações sociopolíticas também são incubadoras de organizações extremistas.

A vitória de Trump era o pontapé para a criação de um novo culto.

Ryan Murphy, criador de 'American Horror Story' juntamente com Brad Falchuk, ,declarou que os palhaços eram uma das inspirações para a história da temporada e que Charles Manson, seria a outra.

Os assuntos são completamente convergentes: os palhaços representam o registro contemporâneo visual e Manson - um dos mais famosos assassinos americanos, morto recentemente - representa o impacto de um culto dentro da cultura pop.

Nos anos 60, ele liderou um grupo que se autoproclamava hippie e que espalhou terror e pânico assassinando pessoas em Los Angeles sob a justificativa de que preparavam o terreno para uma guerra e para a reconfiguração do mundo.

Nesse mundo os negros seriam subjugados, homossexuais banidos e mulheres submetidas aos homens, só fazendo refeições depois dos cães, inclusive.

Ou seja: qualquer semelhança com a tomada absurda de reacionarismo político e social não é mera coincidência.

'American Horror Story: Cult', que o canal FX acabou de exibir, começou exatamente no momento em que a vitória de Donald Trump é declarada.

O mundo estupefato é representado pela reação da personagem de Sarah Paulson, Ally, uma mulher bem-sucedida, gay, casada com uma chef e que juntas criam seu filho - e simbolizam o resultado de uma América que fora salva por valores supostamente democratas.

Sarah Paulson é Ally
Elas idolatram Obama e celebram conquistas e vitórias que são importantes para minorias oprimidas no curso da história.

Porém, a maneira hiper dramática com a qual essa reação é exposta tem um propósito: Murphy não quer perder de vista que extremismo não se combate com mais intolerância e há um perigo rondando aquela casa que não tem raízes na vitória de Trump.

Do outro lado está Kai (Evan Peters, sensacional e irrepreensível), que começa o enredo não sendo mais que um jovem cheio de ideias distorcidas sobre o mundo.

Evan Peters, aqui com sua gangue de palhaços assassinos, é Kai
Cabelo colorido de azul, filho da era digital, do armamento, da classe média fingida e dissimulada, ele poderia ser qualquer um desses jovens que vão para as redes sociais defender opiniões reacionárias, questionar o valor de leis de proteção ao negro, aos gays, às mulheres, porque “se todos são iguais ninguém devia receber benefícios por ser diferente”.

Kai é o tipo que simpatiza pela causa nazista, mas quando indagado sempre diz que “a suástica, o nazismo, são muito mais que genocídio, são uma ideologia protecionista e legítima”.

Quando Trump vence, ele ganha a oportunidade de puro, de exercer sua oratória e garantir sua oportunidade de 'ser especial'.

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Sally é casada com Ivy, interpretada por Allison Pill
A dramaturgia da temporada se constrói de forma extremamente complexa.

Kai convence os seus seguidores de que o mundo precisa temer mais e mais, para que passe a aceitar ser liderado por quem realmente está disposto a fazer “uma limpeza”.

E isso é coerente com a realidade de formas enervantes, porque a ascensão de políticos de extrema-direita, que defendem muros cercando fronteiras, repressão de gênero e a matança indiscriminada de bandidos, só foi possível porque a sociedade vive um profundo momento de insegurança e foi convencida de que “os valores precisam ser recuperados para que a família se sustente”.

Por isso, Kai organiza um culto (todos vestidos de palhaços sombrios, claro) e instaura o medo, matando e mutilando, até que todos temam tanto, que aceitem qualquer tipo de ajuda.

Já a Ally que Sarah Paulson magistralmente interpreta é toda construída de medos e fobias.

Dominada por eles, ela segue por metade da temporada sendo um mero joguete nas mãos daqueles que a deviam proteger.

Dedicada ao papel, Paulson tenta se esquivar da semelhança de trajetória que já vivera em 'Asylum' e 'Coven', em que suas personagens também eram muito humilhadas antes de buscarem vingança - e ela consegue.

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Sarah Paulson, espetacular
A partir do ponto em que o culto é revelado e Ally entende tudo que lhe foi feito, a temporada entra numa espiral de tensões movidas pela vingança.

Além disso, os fracassos políticos de Kai pioram seus rompantes egomaníacos e assim como aconteceu com David Koresh, Jim Jones, Manson e tantos líderes de cultos que atravessaram o tempo (e que foram devidamente ilustrados nos episódios), seu propósito passa a ser apenas o de se tornar um “ídolo”.

A temporada tem grandes dois protagonistas, Sarah Paulson e Evan Peters, curiosamente, também os únicos dois membros do elenco original a participar de todos os anos da série até aqui.
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Peters e Paulson, os protagonistas
'American Horror Story' vem passando por uma evidente descaracterização de elenco e algumas perdas são sentidas.

Por ter nascido antologicamente, funcionando quase como uma trupe de teatro, a série tinha no seu cast um fator predominante de familiaridade.

'Roanoke', mesmo sem a presença magnética de Jessica Lange - estrela incontestável até então - ainda tinha Kathy Bates, Angela Bassett, Lily Rabe e até Lady Gaga, que também virou uma espécie de ícone da série.

'Cult' é a temporada com mais rostos novos e por isso mesmo, a que mais soa distanciada da atmosfera original.

Os pontos fracos estão justamente nas atuações de um elenco despreparado para enfrentar o peso da série.

A ideia do homossexual reacionário não é bem defendida por Billy Eichner, Alison Pill tem seu nome nos créditos de abertura, mas Adina Porter não tem e faz um trabalho muito melhor.

Isso sem falar em Billie Lourd, que é apática, monocórdia e não consegue esquecer sua personagem em 'Scream Queens'.

O desnível de atuações é problemático e prejudica a soberania do programa, algo que nunca foi um problema antes.

Além disso, os tropeços de texto e edição no episódio focado em Manson (logo ele), quebraram muito a expectativa da finale.

Porém, essa temporada tem o ótimo episódio focado em Valerie Solanas, uma líder feminina que redime a série de um discurso antidireita e ainda faz aquilo que a série tem de mais charmoso: sua capacidade de brincar com elementos da cultura pop.

Como estamos falando de Ryan Murphy e de seu profundo engajamento em questões de gênero e de defesa dos direitos das minorias (ele tem até uma fundação que prioriza mulheres e afro-americanos na direção, produção e autoria de trabalhos para a TV), o final da temporada não poderia deixar de encerrar os ponderamentos sobre o papel da mulher na sociedade.

Afinal, o discurso de Kai é velho, imbecil, nojento e cheio de sabedoria fingida.

Os que o seguem são gatinhos assustados que precisam de alguém que lhes dê a mão.

Ally sepulta esse terror promovido pela ignorância, mas o grande pesar do espectador ficou na hora de desligar a TV.

Sem monstros, criaturas e fantasmas, 'American Horror Story' fez sua temporada mais assustadora.

E o perigo, vejam vocês, somos nós.

TRAILER:


FICHA TÉCNICA:
'AMERICAN HORROR STORY - CULT'
Título Original:
American Horror Story
Criação:
Ryan Murphy,Brad Falchuk
Elenco Principal:
Sarah Paulson, Evan Peters, Billy Eichner, Alison Pill, Adina Porter, Billie Lourd
País:
EUA
Classificação:
16 anos
Exibição no Brasil:
Canal FX
Duração:
60 min.

COTAÇÃO DO KLAU:

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