SINOPSE:
Ambientada entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã, o drama acompanha diversos e bizarros personagens num canto esquecido de Ohio, nos Estados Unidos.
Cada um deles foi afetado pelos efeitos da guerra de diferentes maneiras - entre eles, um veterano de guerra perturbado, seu filho, um casal de serial killers e um falso pregador.
CRÍTICA:
Quando falamos de obras complexas, repletas de personagens e com linhas narrativas distintas, como é o caso com este O Diabo de Cada Dia (baseado no livro homônimo escrito por Donald Ray Pollock em 2011 – que também fornece a narração), tudo fica ainda mais arriscado.
Afinal, uma adaptação cinematográfica precisa criar conexão com seu espectador para além do já estabelecido público-alvo, e no caso deste longa – com 2h20min de projeção – o resultado é simplesmente memorável.
A ideia por trás do roteiro adaptado por Paulo Campos e Antonio Campos (também diretor do filme e filho do veterano jornalista brasileiro Lucas Mendes) é a de uma crítica ferrenha ao fanatismo religioso.
A todas as atrocidades cometidas pelo homem em nome de Deus, e a um senso moral incrivelmente deturpado, que somente esconde e valida ações de indivíduos altamente desequilibrados.
Justamente servindo a este tapa na cara em relação a tal fé cega, o título em português chega bem acertado e mais eficiente do que sua versão original em inglês.
Aqui, o cineasta aponta para o quão desprezíveis são os que se envolvem num manto santificado para liberar toda a sua monstruosidade, na ilusão de realmente estarem acima do bem e do mal.
Mas igualmente enfatiza o perigo de uma crença acima de qualquer suspeita, deixando para trás avaliações lúcidas, nas quais os fiéis são facilmente manipulados e levados a cometer atrocidades - tudo, novamente, em nome de Deus.
E tudo funciona muito bem graças ao elenco estelar, um dos melhores, definitivamente, dos últimos anos.
O filme é produzido pelo ator Jake Gyllenhaal – ou seja, talento não falta na frente e atrás das câmeras.
O Drama funciona de forma episódica, com diversas subtramas (ou micro histórias) que vão se entrelaçando ao longo da trajetória, e no final se afunilam para uma conclusão.
Assim, a obra se torna quase uma antologia, costurando todos os contos com a temática da falsa ideologia religiosa e o fanatismo.
Tudo começa com Bill Skarsgard (o palhaço Pennywise dos novos It: A Coisa), um jovem veterano da segunda guerra retornando para casa na sua pequena cidadezinha rural - todas as histórias são ambientadas nesse pós guerra até o começo da década de 1960.
Ele se casa com a personagem de Haley Bennett e logo depois chega a cria do casal, o menino Arvin.
Quando a mulher adoece, o patriarca vai aos poucos deixando florescer os traumas de guerra nunca enterrados, em especial sobre um colega crucificado e esfolado vivo pelos japoneses.
Deus é visto por ele como uma entidade cruel, com quem precisa barganhar vidas.
Assim, a tragédia se abate por completo sobre esta família, o que nos escancara um filme altamente depressivo, trágico, sem qualquer vislumbre de alegria.
É a ira de Deus, a tempestade sem a bonança.
Mas o que o grande público quer ver, mesmo, são as presenças de dois jovens astros do momento, cujos nomes são capazes de arrastar multidões: Robert Pattinson e Tom Holland.
Da dupla, é Holland quem tem o protagonismo, interpretando a segunda fase, mais velha, de Arvin.
E assim como Peter Parker, o órfão é criado por uma figura materna (aqui a avó), combate valentões no colégio e faz de seu trabalho eliminar “vilões” – aqui, de forma muito mais intensa e visceral.
Mas quem rouba o show, apesar do elenco pra lá de eficiente e harmonioso de forma geral, é mesmo Pattinson, em mais um desafio em sua filmografia.
O vindouro intérprete do Batman faz aqui o personagem mais asqueroso de sua carreira, um pastor egocêntrico, que usa sua fala mansa e através da articulação da palavra bíblica abusa da boa fé de seu rebanho.
Odioso e genial.
Ainda sobram tramas para Jason Clarke (Cemitério Maldito, 2009) e Riley Keough (Mad Max: Estrada da Fúria) – a neta de Elvis Presley – como um casal de degenerados; Sebastian Stan (o Soldado Invernal da Marvel), num papel que seria do colega Chris Evans, como um xerife corrupto; Eliza Scanlen (Adoráveis Mulheres) como uma inocente carola; Harry Melling (sócio da Netflix, de filmes como Buster Scruggs e o recente Old Guard) se destacando como um pastor caído em desgraça; e Mia Wasikowska como uma vítima das circunstâncias, numa participação piscou, perdeu.
Ou seja, “só gente boa”, nesta verdadeira sinfonia da miséria humana, todos ligados pelo pecado de amar demais a Deus, ou ao menos corromper completamente seus ensinamentos.
A crítica funciona, a mensagem é passada de forma clara, e estes elementos estão entre os acertos do longa, assim como a reconstrução mais que eficiente da época e atuações de alto nível, em especial as de Holland, Pattinson, Melling e Keough.
Porém, para um filme transcender sua intenção e o próprio assunto a que se propõe a discutir é preciso algo mais e em sua maioria os personagens obtém destaque ao ponto de realmente nos identificarmos e começarmos a nos importar com eles.
Um dos melhores filmes dos últimos tempos.
GALERIA DE IMAGENS:
TRAILER:
FICHA TÉCNICA:
O Diabo de Cada Dia
Título Original:
The Devil All the Time
Gênero:
Suspense, drama e terror
Ano:
2020
Duração:
138 min.
Direção:
Antonio Campos
Produção:
Jake Gyllenhaal
Baseado em:
The Devil All the Time, de Donald Ray Pollock
Roteiro adaptado por:
Paulo Campos e Antonio Campos
Elenco:
Tom Holland, Bill Skarsgård, Riley Keough, Jason Clarke, Sebastian Stan, Haley Bennett, Eliza Scanlen, Mia Wasikowska, Robert Pattinson
Edição:
Andrew Mondshein
Distribuição:
Netflix
Lançamento:
16 de setembro de 2020
COTAÇÃO DO KLAU:
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