Desde moça, Zilda escolheu a medicina como missão, o que acabou levando-a cada vez mais pelos caminhos da saúde pública.
Catarinense, nasceu em Forquilhinha, em 1934. Viúva aos 43 anos, cinco filhos para criar, sempre soube o que é lutar. Aos 12 anos foi para Curitiba cursar medicina. Caloura, foi voluntária no hospital. Trabalhou em postos de saúde da periferia, e em 1979 coordenou o Ano Internacional da Criança no Paraná.
Sua prática diária, como médica pediatra do Hospital de Crianças Cezar Pernetta, em Curitiba (PR), e posteriormente como diretora de Saúde Materno-Infantil, da Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, teve como suporte teórico diversas especializações, como Saúde Pública - pela USP e Administração de Programas de Saúde Materno-Infantil - pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS).
Sua experiência fez com que, em 1980, fosse convidada a coordenar a campanha de vacinação Sabin para combater a primeira epidemia de poliomielite, que começou em União da Vitória (PR). Criou ali um método próprio, depois adotado pelo Ministério da Saúde e implantado em todo o Brasil.
Seu trabalho chamou a atenção da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que a convidou para atuar num programa pela sobrevivência infantil, com apoio da Unicef.
Zilda fez da mulher a agente de transformação da família. Nascia aí a Pastoral da Criança, hoje implantada em 3.277 municípios, com 145 mil voluntários acompanhando um milhão e meio de crianças e 76.700 gestantes.
Ensinou coisas simples para as mães, a reidratação oral - água, sal e açúcar - e a multimistura. Na área de atuação da Pastoral, a média é de 12 a 17 mortes em cada mil crianças que nascem vivas, enquanto o índice nacional chega a 34,6. Mulher simples, virava criança quando estava na Pastoral.
A Pastoral da Criança foi indicada pelo Governo do Brasil para o Prêmio Nobel da Paz de 2001.
A partir da sua militância na Pastoral, sua imagem segura, serena e firme foi associada para sempre à população mais carente, e mais desnutrida.
O jornalista Gilberto Dimenstein acaba de publicar na Folha Online um pequeno texto sobre Zilda:
" Apaixonei-me pela pediatra Zilda Arns à primeira vista -ou melhor, à primeira entrevista.
Eu morava em Brasília e ela, que estava interessada em ajudar a divulgação do trabalho da Pastoral da Criança -ainda em fase inicial e quase exclusivamente bancada pelo Unicef-, gostaria de conversar com jornalistas.
Perguntei-lhe qual era o orçamento do projeto, localizado em algumas comunidades do interior, e quantas crianças eram atendidas --e assim saiu o "lead" do meu primeiro artigo sobre a pediatra. Cada criança atendida saía, pelos valores de hoje, cerca de R$ 0,50. O título da coluna era: uma vida por 50 centavos.
A grandeza desse programa contra a mortalidade infantil estava justamente nisso: muito barato e, ao mesmo tempo, muito eficiente. Usando voluntários, quase todas mães, ele ensinava as mulheres a cuidar dos filhos, com medidas básicas de alimentação e higiene. Mulheres aprendiam a aproveitar a comida usando o que se imaginava ser resto --a casca do ovo, por exemplo, rica em cálcio.
Rapidamente --e com muita intensidade-- despencavam as estatística de mortalidade. Os resultados eram tamanhos que as ações se transformaram em política pública, bancadas pelos governos federal, estadual e municipal.
Está no trabalho da Pastoral, iniciado na década de 1980, a base para a criação dos agentes de saúde. Disseminavam não pelo país, mas pela América Latina e África. Por isso, tive a sorte de encontrá-la várias vezes em aeroportos.
Era unânime entre os pensadores de questões sociais no Brasil que Zilda Arns tinha desenvolvido uma potente tecnologia social, fazendo tanto com tão pouco.
Por ter salvado em tão pouco tempo tantas vidas, sempre achei que Zilda era nossa melhor candidata ao prêmio Nobel da Paz. "
Em 2004, Zilda recebeu da CNBB outra missão: fundar, organizar e coordenar a Pastoral da Pessoa Idosa. Atualmente mais de 129 mil idosos são acompanhados todos os meses por 14 mil voluntários.
Pelo seu trabalho na área social, Zilda recebeu condecorações tais como: Woodrow Wilson, da Woodrow Wilson Fundation, em 2007; o Opus Prize, da Opus Prize Foundation (EUA), e pelo inovador programa de saúde pública que ajuda a milhares de famílias carentes, em 2006; Heroína da Saúde Pública das Américas (OPAS/2002); 1º Prêmio Direitos Humanos (USP/2000); Personalidade Brasileira de Destaque no Trabalho em Prol da Saúde da Criança (Unicef/1988); Prêmio Humanitário (Lions Club Internacional/1997); Prêmio Internacional em Administração Sanitária (OPAS/ 1994); títulos de Doutor Honoris Causa das Universidades: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Universidade Federal do Paraná, Universidade do Extremo-Sul Catarinente de Criciúma, Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade do Sul de Santa Catarina.
Cidadã Honorária de 10 estados e 35 municípios, homenageada por diversas outras Instituições, Universidades, Governos e Empresas.
Tive o prazer de conhece-la pessoalmente, na faculdade de medicina da USP em 2005, após uma das muitas palestras que ela dava mundo afora, e fiquei profundamente tocado com a sua figura e obra.
Tenho a certeza mais que absoluta, que, se Deus existe, deu para a Zilda a fórmula da "multimistura", que como o Gilberto já citou acima, nada mais é que uma farinha feita com cascas de ovos e outras coisas que jogamos no lixo todos os dias. Adicionada à comida, salvou milhares de brasileiros, africanos e um sem número de habitantes desse planeta da pior das mortes, a morte por inanição.
Porém, muito ainda há de ser feito, quando pensamos em fome, no Brasil e no mundo.
Dias atrás, a "Folha de S.Paulo" fez uma ampla reportagem sobre a BR 101 - nossa mais extensa estrada, e que corta o país de cima a baixo, beirando o litoral. O repórter fotográfico clicou uma criança, ao lado de uma placa, na cidade de Teixeira de Freitas, Bahia. As letras pintadas na placa na placa me deixaram profundamente triste. Não posso aceitar que,já a dez anos no século 21, eu ainda tenha de ver imagens dilacerantes como essa:
Criança à beira da BR 101, em Teixeira de Freitas - BA
Zilda Arns residia em Curitiba (PR), era viúva desde 1978, teve cinco filhos (um já falecido) e dez netos. Um de seus irmãos é, para mim, o mais importante religioso católico das américas em todos os tempos: D.Paulo Evaristo, Cardeal Emérito de São Paulo.
Ontem, Zilda estava numa igreja no Haití, dando mais uma das suas incansáveis palestras. O terremoto que até agora já matou mais de 100 mil pessoas no país mais pobre das américas, também a matou.
São pessoas como Zilda Arns que ainda me fazem ficar de pé, enfrentar a vida todos os dias, e a desejar felicidade, se não a plena, a possível.
A melhor definição dessa grande mulher foi dada hoje, pela senadora Marina Silva (PV-AC) :
"Alguém que foi capaz de traduzir os valores do Evangelho
na prática".
Zilda foi, e vai continuar sendo, uma das maiores - e melhores - brasileiras, em todos os tempos.
Cabe a nós, brasileiros com o país entranhado em cada célula dos nossos corpos, tentarmos ao menos fazer a nossa parte.
Afinal, em se tratando de fome, o exemplo nunca deve vir só da boca pra fora.
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