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Na sua edição de número 50, evento de San Diego volta a um tempo em que o principal não era a vitrine de blockbusters
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Por Marcelo Hessel - site Omelete
A leitura que se faz da San Diego Comic-Con 2020 é que, sem grandes lançamentos (com o cinema paralisado pela pandemia no ápice do verão americano) e sem público (com o formato dos painéis em vídeos gravados), o evento se torna um grande desafio de curadoria para manter o interesse das pessoas. A praticidade de ter uma SDCC em casa compensa os muitos perrengues de filas, gastos e contratempos, mas ao mesmo tempo evidencia que esse formato de comic-con, enquanto espaço de relações públicas de estúdios e canais de TV, não tem o mesmo charme. Ser convidado para passar quatro dias assistindo a coletivas de imprensa sobre filmes e séries que ainda mal conhecemos exige, acima de tudo, um engajamento passivo dos fãs.
Durante os anos 2000, e particularmente depois que o MCU e o DCEU se estabeleceram nas telas, a Comic-Con de San Diego se tornou a principal vitrine dos blockbusters hollywoodianos, numa época em que a indústria percebeu que carregar o selo da validação nerd importava para o público. Nos últimos três ou quatro anos, quando a Disney vitaminou a sua D23 com as novidades do Marvel Studios, e eventos como a Star Wars Celebration passaram a competir com a SDCC por atenção, a organização de San Diego se viu diante de um dilema que chega agora, por conta da pandemia, plenamente estabelecido e manifesto: como manter o nível de interesse pela Comic-Con sem os filmes mais esperados?
De certa forma, o evento, que completa 50 anos em 2020, regrediu a um tempo em que as salas menores de debates - que abordam de especificidades científicas, como o arsenal de um mandaloriano, a contextos de nichos do mercado de quadrinhos - não eram absolutamente eclipsadas pelas apresentações de estádio da Sala H (o espaço para 6.500 pessoas onde acontecem os painéis mais concorridos na SDCC presencial). Diante do YouTube e com os vídeos pré-gravados, o público se viu com um menu na mão que não hierarquizava os painéis: todos eram colocados na plataforma ao mesmo tempo nos seus horários programados, e a programação no site oficial obviamente deixou de filtrar o que era "Sala H" ou não. De repente, um painel sobre criação de webcomics ou sobre saúde mental na pandemia tinha o mesmo "tamanho" que o vídeo com cenas de Novos Mutantes.
É por isso que o exercício da curadoria volta a se tornar importante nesse contexto de evento online e esvaziado de novidades. A Comic-Con de San Diego é exemplar nesse sentido, e inclusive celebrou neste ano o aniversário 33 do painel "Out in the Comics" [algo como "saindo do armário nas HQs"], que discute homofobia, representatividade LGBTQ+ e política com profissionais da área. É evidente que a organização tem consciência desse peso (ele é promovido como "o mais antigo painel contínuo no mundo dos quadrinhos") e por isso chama para a atenção da curadoria para si. O desafio é balancear, numa seleção de 300 painéis, os muitos tipos de debates com os interesses de canais e estúdios que se associam a comic-cons pela oportunidade da vitrine do mundo nerd.
No fim, a SDCC @Home se mostrou democrática nas suas escolhas e na possibilidade de acesso, embora o público que não fala ou lê inglês tenha sido alienado no processo. Apenas o painel de Novos Mutantes - que terminou sendo o mais assistido do evento, ao lado do painel de Vikings, ambos na faixa dos 200 mil views - tinha a opção de tradução nas legendas. A experiência do usuário é central num evento nesse formato, e entre erros e acertos ficam da quinquagésima SDCC muitas lições para o futuro próximo do entretenimento.
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