segunda-feira, 20 de julho de 2009

ABRINDO PORTAS: COMO GRANDES EMPRESAS TRATAM A DIVERSIDADE DE SEUS FUNCIONÁRIOS



Essa matéria, publicada no domingo, dia 7 de junho, no caderno "Dinheiro" da FOLHA DE S.PAULO mostra como as grandes corporações estão encarando a questão da diversidade, sem questões pessoais e desprovidas de qualquer cerceamento ou debate sobre os direitos de funcionários e seus companheiros - ou companheiras - do mesmo sexo.

Mas a política dessas empresas, na maioria multi
nacionais, ainda tem uma grande barreira a transpor aqui no Brasil, país racista, machista e homofóbico, segundo elas.

Vale a pena ser lida:



ABRINDO PORTAS
Com sacrifício, executivos rompem preconceito, saem do armário e conquistam espaço no mercado de trabalho


Julio Wiziack
Claudia Rolli
da reportagem local

Quando começou sua carreira na Caixa Econômica Federal, há oito anos, a publicitária Mariana Tavares, 31, não tinha se assumido como lésbica no departamento de marketing, onde atuava como analista.
Acabou suportando piadas preconceituosas feitas por um colega de repartição.
"Ele vivia repetindo que o banco estava cheio de gay e sapatão se alastrando que nem erva daninha", diz. "Repetia também que isso [a homossexualidade] era uma peste e que tinham de encontrar um pesticida bom. Também falava que o problema das lésbicas era não ter arrumado um homem que desse conta do recado."
Hoje, Mariana é coordenadora de projetos especiais da Caixa, cargo executivo hierarquicamente superior ao do colega. Quando se encontram pelos corredores do banco, ele evita cumprimentá-la.
Servidor do Banco do Brasil há 34 anos, Augusto Andrade, 53, hoje gerente da ouvidoria interna da instituição, diz que, no começo de sua carreira, quase perdeu uma promoção por ser "assumidamente" gay. "O que me salvou foi um "piti" de um dos representantes do banco, que decidia as promoções. Na minha frente, ele disse que os outros não queriam me premiar só porque eu era gay. Acabei conseguindo o cargo."
Desde que optou por ser militante do movimento gay, Andrade diz que não enfrentou mais saias justas no trabalho. "A exposição acabou me protegendo na empresa", diz.
Clovis Casemiro migrou para a área de turismo após ser expulso da escola naval no Rio de Janeiro. "Foi muito difícil para mim e para toda a minha família. Fui trabalhar inicialmente no setor de turismo. Hoje estou em uma companhia que respeita as diferenças", afirma o gerente comercial da TAM.
Há até pouco tempo, as grandes empresas só davam espaço para eles se continuassem onde sempre estiveram: no "armário". Nos últimos cinco anos, com os avanços do movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros), esse grupo começou a romper o silêncio e a lutar contra a discriminação, exigindo direitos iguais no ambiente de trabalho.
"Após ser transferido de Brasília para São Paulo, decidi levar meu companheiro comigo e incluí-lo no plano de saúde. Para isso, tive de me assumir para a companhia", diz Rodrigo Barbosa, 32, executivo de projetos da IBM. "Antes, ficava no armário com medo de ser discriminado ou não ser promovido." Otávio Diógenes, 28, companheiro de Rodrigo há oito anos, também trabalha na IBM.

Reclamações
As conquistas, como planos médicos e odontológicos empresariais extensivos a seus companheiros, cresceram na mesma proporção das reclamações a órgãos públicos.
Desde que o governo federal implementou o programa "Brasil sem Homofobia", em 2004, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou a receber mais reclamações sobre discriminação nas empresas.
Em sete Estados, procuradores do Ministério Público do Trabalho investigam dez casos de discriminação por orientação sexual. Ao Ministério do Trabalho em São Paulo chegam, por mês, 30 denúncias de discriminação. Ao menos uma refere-se a gays discriminados.
São executivos, lixeiros, enfermeiros e servidores que foram alvo de brincadeiras de mau gosto, xingamentos e constrangimentos -como ser convidado a usar o banheiro feminino ou ser barrado no serviço por questões estéticas. Caso de um vendedor em São Paulo que não pôde trabalhar por estar com as unhas pintadas.
"A dificuldade em provar as denúncias, aliada ao temor de expor socialmente a vida privada e ao preconceito que está enraizado em toda a sociedade, contribui para inibir as denúncias", diz Otávio Brito, procurador-geral do Trabalho.
Na Justiça não há estatísticas que mostrem se as ações de gays que buscam reparar o assédio moral no trabalho estão aumentando. O assédio acontece quando uma pessoa é submetida a situações constrangedoras ou humilhantes, de forma frequente e intencional com o objetivo de atingir a honra e a dignidade do trabalhador.
Duas decisões recentes do TST (Tribunal Superior do Trabalho) mostram que o Judiciário tem punido, com indenizações que variam de R$ 5.000 a R$ 1 milhão, empresas em que o assédio pode ser comprovado.
O Bradesco foi condenado a pagar indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão ao ex-gerente Antônio Ferreira dos Santos, 47, por assédio moral e discriminação sexual em sua demissão por justa causa. O banco vai recorrer.
"Só pude comprovar a humilhação e o constrangimento que um gerente regional me fez passar, na presença de colegas de trabalho, porque tive ajuda de testemunhas. Ele dizia que o Bradesco era um lugar para homens, não para bichas e veados. Também falava para eu parar com a "veadagem" em outras situações", diz Santos.
Há três semanas, o TST manteve uma decisão da Justiça trabalhista de Sergipe, que condenou a BCP (hoje Claro) a indenizar em R$ 5.000 o atendente C.C.P. por ele ter recebido um uniforme feminino de uma encarregada de uma loja da operadora para trabalhar.
A Claro informa que foi ele quem optou por usar um uniforme feminino, de tamanho pequeno, porque havia pouca diferença com o masculino (recebido nos tamanhos médio e grande). A empresa afirma ainda que a demissão não ocorreu por esse motivo e que não aceita nenhuma discriminação.
"A empresa foi condenada por imprudência ao fornecer um uniforme -uma camisa com corte feminino. Nesse caso, o assédio ocorreu por ter causado constrangimento", afirma o ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do TST.
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RODRIGO BARBOSA, 32
Executivo de projetos da IBM, ele saiu do armário em 2003, ao ser transferido de Brasília para ser executivo em São Paulo. "Não podia deixar meu companheiro para trás", diz. Por isso, procurou a companhia e abriu o jogo. "Gosto de servir de exemplo. Há gays em todas as empresas, e, quando um executivo de alto escalão se assume, acaba ajudando os gays abaixo na hierarquia."

MARIANA TAVARES, 31
A coordenadora de projetos especiais da CEF saiu do armário durante uma greve em 2005, ao enviar um e-mail aos colegas em que reclamava por aumento salarial e igualdade entre gays e heterossexuais. A mensagem parou na direção do banco. Após quatro dias, a instituição estendeu os benefícios aos dependentes de funcionários de mesmo sexo e proibiu a discriminação no trabalho.

AUGUSTO ANDRADE, 53
Gerente da ouvidoria interna do Banco do Brasil, ele foi o primeiro funcionário a se valer de brechas administrativas para incluir seu companheiro no plano de saúde da instituição. Depois, forçou a entrada dele como seu beneficiário na Previ, o fundo de pensão dos funcionários. "A exposição acabou me protegendo na empresa", diz. "No começo, quase perdi uma promoção por ser gay."

FRANCISCO LIMA, 45
Responsável pela logística da CEF, "Kiko", como é conhecido, lidera nove regionais do banco no país. Há 20 anos na Caixa, ele comanda um time que conta, em sua maioria, com homens e diz nunca ter sofrido discriminação dos colegas. Essa integração aumentou em 2005, com o programa de diversidade sexual da instituição. "Ganhei segurança e mais comprometimento com a CEF."

ANTÔNIO F. DOS SANTOS, 47
Após ser demitido por justa causa, o ex-gerente-geral do Bradesco e hoje corretor abriu uma ação por assédio moral e discriminação sexual. "Fui humilhado, passei por depressão após ver que minha carreira tinha sido manchada." A Justiça do Trabalho condenou o Bradesco a pagar uma indenização que pode ultrapassar R$ 1 milhão. O banco vai recorrer e não quis comentar o caso.
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PROGRAMAS DE DIVERSIDADE CORREM RISCO DE CAIR NO DESCRÉDITO
da reportagem local

Criados para estimular os funcionários a saírem do armário, especialmente nas multinacionais, os programas de diversidade sexual em vigor nas grandes empresas correm o risco de cair em descrédito.
Com raras exceções, eles foram implementados por imposição das matrizes estrangeiras -rigorosas na aplicação de políticas antidiscriminação-, mas sucumbem diante da cultura machista dominante no país. É o que afirmam consultores contratados pelas filiais brasileiras para desenvolvê-los. Pesquisadores da UnB, UFMG e FGV, que estudam o assunto, têm a mesma opinião.
"Basta observar o engajamento dos funcionários", afirma Ana Paula Diniz, pesquisadora do Núcleo de Estudos Organizacionais da UFMG. "Pesquisamos empresas com milhares de empregados e só quatro assumidos." Até na IBM, que possui o melhor programa, na opinião dos consultores, só 74 são abertamente gays num total de 18 mil funcionários.
"O problema é que eles não se sentem devidamente protegidos pelos programas para se assumirem", diz Marcus Vinicius Siqueira, da UnB, outro estudioso do tema. "As brincadeiras de mau gosto e a falta de sanções aos funcionários que discriminam seus colegas de trabalho arranham a credibilidade desses programas."

Ruim com eles, pior sem
Embora apresentem falhas, os programas asseguram aos funcionários homossexuais com relações estáveis benefícios corporativos impensáveis há cinco anos. Uma pesquisa da consultoria Mercer realizada com 210 companhias brasileiras de grande e médio portes mostra que, em 2008, 25% delas permitiam aos seus funcionários incluir os companheiros nos planos de saúde e odontológico. Há cinco anos, esse índice era de apenas 8,7%.
Na área previdenciária, a Mercer estima que, atualmente, metade das entidades de previdência fechada (públicas e privadas) prevê o pagamento de pensão aos parceiros de mesmo sexo em caso de morte do titular do plano.
A limitação, nesse caso, é das empresas, que, muitas vezes, não querem gastar mais para oferecer esses planos aos casais de mesmo sexo. As estatais estão na dianteira desse processo ao conceder o benefício. Na Previ, fundo dos funcionários do Banco do Brasil, já existem 200 casais gays inscritos.
Sindicatos também avançam nas negociações trabalhistas, incluindo benefícios a funcionários homossexuais e a seus companheiros nos acordos coletivos de categorias.
Em 2008, sete acordos dos 220 acompanhados pelo Dieese previam a extensão de direitos a dependentes gays. Bancários, eletricitários e empregados em processamento de dados estão entre os contemplados. Em 2005, eram quatro.
"São poucos acordos, mas os homossexuais estão buscando ampliar seus direitos. É um sinal positivo", diz Luís Augusto Ribeiro da Costa, técnico do Dieese. (JW e CR)


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